Texto integral da intervenção do Secretário Regional do Turismo e Transportes, Vítor Fraga, proferida hoje, em Ponta Delgada, na conferência de imprensa para apresentação do novo Diploma da Contratação Publica:
"A contratação pública assume um papel e uma importância fundamental na transparência da relação entre entidades públicas e privadas, assim como na dinamização económica dos setores da construção e dos serviços.
Numa região como a nossa, insular e arquipelágica, onde as questões de escala e de organização empresarial de média ou reduzida dimensão condicionam fortemente a concorrência entre agentes económicos, há que definir regras que reflitam as particularidades e especificidades regionais.
Foi assim em 2008, através do DLR 34/2008/A, posteriormente alterado pelo DLR 15/2009/A, e é agora através da proposta de DLR que aqui apresentamos, que foi aprovada no Conselho de Governo de 6 de julho, a qual revoga aqueles diplomas.
A Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos, veio revogar a Diretiva 2004/18/CE, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviço.
Tirando partido desta alteração, o Governo dos Açores, na procura permanente de incrementar a transparência, o rigor e a dinamização do tecido empresarial regional, assumiu esta alteração legislativa como uma prioridade, sendo a primeira parcela do país a fazê-lo, pois nem a República, nem a Madeira ainda o fizeram.
O mercado da contratação pública, sobretudo nas áreas das empreitadas de obras públicas, mas também nas áreas dos serviços, tem uma relação profunda com o estado e dinâmica da empregabilidade regional.
Sem pretender diminuir os princípios basilares da União Europeia, expressos nos vários tratados, nomeadamente no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, há uma visão regional que não pode deixar de ser ponderada quer na criação, quer na aplicabilidade das normas jurídicas no domínio da contratação pública.
Esse aspeto, associado à dispersão geográfica das nossas ilhas e às assimetrias na distribuição populacional, fazem com que existam vários pequenos mercados onde as regras da concorrência assumem um funcionamento distinto daquele que é lógico e frequente no espaço da União Europeia ou mesmo de Portugal Continental.
Tendo em conta que a Região está dotada, quer pela Constituição da República Portuguesa, quer pelo Estatuto Político Administrativo, de poderes para a transposição de Diretivas para o ordenamento jurídico regional, podem-se assim criar regras, não diminuídas por uma visão limitativa regional, mas antes munidas de uma amplificação das possibilidades que os atos comunitários que assumem a forma de diretivas conferem à satisfação das necessidades regionais.
Assim, com esta proposta de diploma não se pretende assumir uma posição de rutura com o ordenamento jurídico nacional, mas sim aproveitar a experiência estabilizada da aplicação do Código dos Contratos Públicos na Região, em conjugação com a legislação regional, aproveitando para inscrever no ordenamento jurídico regional princípios e opções da nova Diretiva relativa aos contratos públicos suscetíveis de beneficiar o desenvolvimento económico dos Açores.
Com a oportunidade criada por esta proposta aproveitou-se para consolidar alguma legislação regional sobre esta matéria, que se encontrava dispersa.
Neste enquadramento, as opções legislativas tomadas tiveram em atenção os seguintes princípios gerais:
- o da transparência e da celeridade processual;
- o da adequabilidade à realidade da Região Autónoma dos Açores;
- o do impulso económico que pode ser transmitido às pequenas e médias empresas que compõem maioritariamente o universo do mercado regional.
No âmbito do impulso de rigor e transparência que se quer continuar a imprimir aos procedimentos concursais na Região, destaca-se:
- a decisão de redução do valor admitido como trabalhos a mais, de 25% para 20%, em oposição à orientação nacional de 40%;
- a regulação, pela primeira vez no ordenamento jurídico regional, da revisão de projetos e do respetivo consentimento no âmbito das relações com as entidades públicas regionais. A revisão do projeto passa a ser obrigatória por entidade diversa do projetista quando a obra a executar seja classificada na categoria III ou superior, ou seja, atendendo, fundamentalmente, às exigências da conceção e ao grau de complexidade do projeto. O objetivo passa por melhorar a conceção e, consequentemente, reduzir as situações suscetíveis de induzir sobrecustos na fase da construção;
- a possibilidade de exclusão de propostas com fundamento em anteriores prestações defeituosas.
Como manifestações do princípio da transparência, destaca-se que:
- a atividade das entidades adjudicantes regionais deve ser desenvolvida de modo a não se subtrair, por qualquer modo, às regras previstas no diploma ou no Código dos Contratos Públicos, sob pena de invalidade dos respetivos atos;
- as entidades adjudicantes regionais devem assegurar, na execução dos contratos públicos, que os seus cocontratantes respeitam as normas aplicáveis em vigor, em matéria ambiental, social e laboral, decorrentes do direito internacional, comunitário, nacional ou regional;
- as entidades adjudicantes regionais garantem a inexistência de conflito de interesses numa qualquer situação em que as próprias, ou terceiro que aja em seu nome, participem, por qualquer modo, nos procedimentos de contratação pública que sejam suscetíveis de influenciar a adjudicação de um determinado contrato público em concreto, ainda que direta ou indiretamente, em virtude de interesses de natureza económica, financeira ou pessoal.
No âmbito da celeridade processual, é de realçar o encurtamento de prazos para a qualificação dos concorrentes e para a apresentação de propostas, sem diminuição das garantias dos particulares, reduzindo-se o prazo entre o início do procedimento e a efetiva concretização da contraprestação.
Assim, por exemplo, é reduzido o prazo geral de apresentação de propostas em concursos públicos com publicidade internacional de 40 para 30 dias ou para 35 dias quando a entidade adjudicante regional aceite que as propostas sejam apresentadas por meio não eletrónico.
No concurso público ou no concurso limitado por prévia qualificação, o prazo mínimo para a apresentação das propostas e candidaturas pode ser reduzido em situações de urgência, devidamente fundamentada, desde que:
a) O prazo de apresentação de candidaturas ou propostas não seja inferior a 15 dias a contar da data de envio do anúncio ao Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias e serviço de publicações do Diário da República;
b) O prazo de apresentação das propostas não seja inferior a 10 dias a contar da data de envio do convite (no concurso por prévia qualificação, após a fase da qualificação).
Conforme já referido, assume ainda particular relevância na proposta a preocupação com a realidade dos Açores, em especial com a experiência já consolidada de alguns procedimentos e soluções até hoje transitórias, nomeadamente no que se refere à redução e liberação da caução destinada a garantir a celebração e a boa execução dos contratos, bem como à inexigibilidade da caução, agora em todos os contratos cujo preço contratual seja inferior a 200 mil euros.
Finalmente, e dando corpo às opções políticas de consolidação e dinamização do tecido económico regional e da sustentabilidade enquanto referência e caraterística diferenciadora no mundo concorrencial, deu-se seguimento às parcerias para a inovação, um novo procedimento que se propõe aliar o desenvolvimento empresarial à investigação aplicada, opção especialmente mobilizadora dos setores e centros de investigação na Região, que permitirá às entidades selecionar parceiros para que estes desenvolvam soluções inovadoras à medida das suas necessidades.
Estas parcerias potenciam o desenvolvimento do tecido empresarial da Região, podendo inclusive levar à prática novos projetos de investigação.
A transferência do conhecimento para a indústria tem ampla margem para se alargar e as empresas devem aproveitar mais o conhecimento científico e as mais-valias que daí poderão advir.
Deu-se, igualmente, corpo, enquanto princípio definidor da contratação, à opção pela repartição da prestação a contratar através de lotes. Com esta opção procura-se aumentar a concorrência na contratação, facilitando, nomeadamente, a participação das PME, sem prejuízo da preocupação com a transparência dessa opção e com os limiares financeiros que para ela concorrem.
Salienta-se, também, a introdução da rotulagem como potencial instrumento para uma decisão de contratar fundamentada em princípios da sustentabilidade social e ambiental, parametrizados nas referências internacionais que pretendem continuar a constituir o fator diferenciador da Região.
Ainda no âmbito das novas soluções legislativas, sublinha-se a possibilidade da entidade adjudicante promover pagamentos diretos aos subcontraentes, dentro de determinados parâmetros e pressupostos.
Finalmente, atendeu-se a uma das realidades mais impressivas da Região, o setor social, promoveu-se a oportunidade para a contratação reservada a entidades que, comprovadamente, promovam a integração social e profissional de pessoas com deficiência ou desfavorecidas.
Entendemos que as questões relativas ao acesso ao mercado de trabalho, integração profissional, aprendizagem ao longo da vida e a acessibilidade do espaço físico constituem-se como fatores que merecem ser também tidos em conta.
Assim, e em conclusão, as principais inovações preconizadas no novo regime jurídico dos contratos públicos na Região Autónoma dos Açores são as seguintes:
- Alarga-se o leque de contratos excluídos das regras da contração pública em linha com o previsto na nova Diretiva dos Contratos Públicos, designadamente serviços jurídicos, serviços de defesa civil, proteção civil e prevenção de riscos e serviços de ambulância e de transporte de doentes;
- Instituem-se as parcerias para a inovação;
- Orienta-se as entidades adjudicantes no sentido de optarem pela divisão do contrato em lotes;
- Prevê-se a possibilidade de ter contratação reservada a entidades que operem no mercado com o objetivo principal de promover a integração social e profissional de pessoas com deficiência ou socioeconomicamente desfavorecidas, ou reservar a execução desses contratos para o âmbito de programas de emprego protegido;
- Impede-se de ser candidato ou concorrente as entidades que tenham incorrido em deficiências significativas ou persistentes na execução de um contrato público anterior;
- Encurtam-se os prazos para a qualificação dos concorrentes e para a apresentação de propostas;
- Fixa-se em 40% o limiar do preço anormalmente baixo para qualquer tipo de contrato;
- Regula-se a revisão do projeto e o consentimento do seu autor;
- Introduz-se a rotulagem como potencial instrumento para uma decisão de contratar fundamentada em princípios da sustentabilidade social e ambiental;
- Prevê-se um regime de pagamentos diretos a subcontratados do adjudicatário;
- Reduz-se o limiar do valor dos trabalhos e serviços a mais de 25% para 20% do preço contratual;
- Em matéria de cauções, estabelece-se, como regime regra, que:
a) O valor da caução é fixado, anualmente, no decreto legislativo regional que aprova o Orçamento da Região Autónoma dos Açores;
b) Não pode ser exigida caução nos contratos cujo preço contratual seja inferior a 200 mil euros;
c) O contraente público tem a faculdade de liberar a caução decorrido um ano após a conclusão do contrato ou, tratando-se de contrato de empreitada de obra pública, da receção provisória da obra.
Estes são, assim, os objetivos e os princípios plasmados na proposta de diploma que dará entrada na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para debate, possíveis alterações e posterior aprovação".
2015.07.20-SRTT-CCP.mp3 |
GaCS
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