Texto integral da intervenção do Presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, proferida hoje, em Ponta Delgada, na sessão de abertura da 30.ª Reunião Anual da Comissão das Ilhas da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa:
“Começo, naturalmente, por dirigir as boas-vindas e uma saudação muito amiga, em meu nome e no do Governo da Região Autónoma dos Açores, a todos os participantes nesta XXX Reunião Anual da Comissão das Ilhas da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa que, desta vez e com muita satisfação da minha parte, tem lugar na Região Autónoma dos Açores.
Estou certo que os trabalhos desta assembleia permitirão consolidar os laços afectivos que unem as ilhas da Europa, bem como identificar e aprofundar áreas de interesse, com vista ao reforço das nossas relações de cooperação e da eficácia da nossa acção conjunta.
Cumprimento também o Secretário de Estado da Energia e Inovação, Carlos Zorrinho, ao qual, para além da estima pessoal, quero agradecer a disponibilidade e empenho que sempre colocou nas questões respeitantes aos Açores, quer nas suas actuais funções, quer nas que proficientemente desempenhou como Coordenador Nacional do Plano Tecnológico.
Quero igualmente saudar o nosso Presidente da Comissão das Ilhas e Presidente das Western Isles, Alex MacDonald, que tem liderado, com reconhecida qualidade e dedicação, desde Outubro passado, os trabalhos da Comissão das Ilhas. Tenho pena que Jean Didier Hache não possa estar connosco, por razões pessoais infelizmente inultrapassáveis, mas gostaria também de destacar o seu trabalho determinado e eficaz, por todos reconhecido, em prol das nossas regiões insulares.
A presente reunião ocorre num momento especial, em que comemoramos o trigésimo aniversário da Comissão das Ilhas; mas é, do mesmo modo, a primeira assembleia que decorre depois das eleições ao Parlamento Europeu e da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 2009.
Na verdade, foi em 1980 que, na Sardenha, nove regiões insulares – Shetland, Orkney, Western Isles, Açores, Canárias, Sardenha, Madeira, Sicília e Creta – decidiram trabalhar em conjunto, de uma forma permanente e institucional, na promoção de um conjunto de interesses comuns, elegendo, então, o tema dos transportes como a “acção sectorial principal”, ao que acresceram áreas como as pescas, o turismo, o desenvolvimento das comunidades costeiras, o emprego, a emigração e a educação.
A Região Autónoma dos Açores é, assim, através do seu Governo, membro fundador da Comissão das Ilhas, em cujos trabalhos e acções tem participado activamente no cumprimento dos seus objectivos de promoção do diálogo regional na Europa e de defesa dos interesses comuns às regiões insulares europeias. São, como se percebe, objectivos que se mantêm perfeitamente actuais: – impõe-se, pois, prosseguir na convocação da atenção da União Europeia e dos estados-membros para as condições e características particulares das nossas regiões, na promoção da tomada de decisões adequadas à nossa especificidade e no fomento da cooperação entre as nossas regiões.
Aliás, num momento em que muito se reclama, e bem, para a necessidade de uma acentuação da eficácia das instituições centrais da governação europeia – redescoberta, nas suas fragilidades, na presente crise financeira que atinge grande parte dos países europeus – é útil que, a par desse reforço indispensável, que acontecerá em desfavor dos poderes centrais dos Estados Membros que se anulam e atrapalham uns aos outros, a União Europeia se expresse na sua diversidade, identidades e núcleos empreendedores através das Regiões e do robustecimento dos seus poderes.
Ao longo dos anos, a importância da acção da Comissão das Ilhas tem sido sucessivamente reconhecida, sobretudo pela qualidade e pertinência da fundamentação técnica e política que lhe permitiu incorporar muitas preocupações insulares em vários documentos legislativos e institucionais da União: na política regional, na política marítima, nos transportes, na energia, bem como em inúmeras acções e projectos de cooperação dos membros da Comissão das Ilhas da CRPM.
Reunimo-nos, como já salientei, pela primeira vez, hoje, em assembleia-geral, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que pôs fim ao impasse institucional na Europa e permitirá, assim o esperamos, responder com maior eficiência aos imensos desafios que se colocam, neste momento, no nosso espaço comum.
Estamos cientes – no que aqui mais nos interessa – de que o Tratado de Lisboa representou um passo importante na tomada de consciência sobre as particularidades territoriais da Europa, muito em especial ao introduzir-se, como objectivo da União, o conceito de coesão territorial. Por isso, o que é agora mais importante é obter a concretização deste conceito emergente, do qual devem decorrer transformações positivas em aspectos tão concretos como o da possibilidade de deslocação e circulação no espaço comum, de acesso a bens e serviços, ao capital, ao conhecimento e ao desenvolvimento económico sustentável, através da modulação, pela União, de políticas que tenham em conta os condicionalismos e as potencialidades dos respectivos territórios.
É, em suma, fundamental que a União Europeia que desejamos – fortalecida simultaneamente nas suas instituições centrais e revigorada nas suas dimensões múltiplas regionais – seja capaz de originar respostas específicas para problemas diferentes, garantindo maior igualdade de oportunidades. É nesse sentido que temos de trabalhar e continuar a influir, sendo certo que incumbe à Comissão das Ilhas um papel especialmente activo e exigente nestes domínios.
O Tratado de Lisboa atribui, como se sabe, poderes reforçados ao Parlamento Europeu no processo legislativo ordinário. Tal significa que, para o melhor sucesso da nossa acção, importa estabelecer uma relação de cooperação mais aprofundada com aquela instituição, a par da que desenvolvemos junto da Comissão Europeia.
Por outro lado, se a geografia e os condicionalismos inerentes aos agora vinte e quatro membros da Comissão das Ilhas são constantes e exigem um trabalho contínuo de esclarecimento e de persuasão junto de várias instituições, a evolução institucional e propostas legislativas da União Europeia ditam, também, novos enfoques para a nossa atenção e intervenção. Assim, a Estratégia “UE 2020”, as perspectivas financeiras da União, o futuro da Política Regional, a aposta nas energias renováveis, as medidas contra as alterações climáticas e sobre o sector dos transportes aéreos e marítimos, ou o futuro da política das pescas e da política agrícola, entre outros casos, deverão concitar o esforço, organizado e vigoroso, de acompanhamento e influência da Comissão das Ilhas em defesa das nossas Regiões.
É nesse quadro de novos desafios, e com uma ambição renovada, que vos desejo confirmar hoje, formalmente, a minha disponibilidade para assumir a Presidência da Comissão das Ilhas durante o próximo mandato. Faço-o, tendo bem presente que devemos trabalhar em conjunto, num contexto em que a auscultação recíproca pode ser um valor acrescentado na nossa capacidade institucional, e em que a mobilização dos órgãos de governo próprio e das organizações inter-regionais representativas é fundamental para o nosso sucesso. Sei que estamos todos empenhados nesses propósitos.
A melhoria do conhecimento das realidades por parte das instituições europeias decisórias é muito importante: isso significa ser necessário reforçarmos a informação e a visibilidades das nossas regiões, pelo que os mecanismos de análise prévia dos impactos e da aplicabilidade da legislação comunitária nas ilhas terão, nesse cenário, que ser implementados e reforçados, através de estudos credíveis, assentes em dados objectivos fornecidos pelas autoridades regionais e não, como infelizmente ainda por vezes acontece, baseados em informações e mecanismos desajustados e sem correspondência com a realidade das nossas e de outras regiões.
Devemos diligenciar, igualmente, no sentido da criação de laços com outros territórios, através de trocas de boas práticas e da execução de projectos comuns, não só do seio da União, como de países terceiros. Nesta dimensão, podemos não só estabelecer pontes que relevam para a afirmação dos nossos interesses específicos como também projectar a dimensão externa europeia a níveis e em lugares onde a diplomacia tradicional dos Estados ou a falta da diplomacia europeia não chegam com precisão e consequências. Qual a razão por que nos devemos empenhar enquanto Comissão das Ilhas nessa dimensão emergente de acção?: – porque nenhuma das nossas regiões pode melhor fazê-lo sozinha e porque todas as nossas regiões não têm interesses conflituantes que as inibam de proceder em conjunto. E, afinal, porque todos temos que contar uns com os outros para assegurarmos a sustentabilidade do nosso desenvolvimento.
O tema escolhido para esta XXX Reunião Anual – “Como podem as ilhas aproveitar novas oportunidades na perspectiva de um desenvolvimento sustentável” – é de grande adequação ao momento que vivemos. Em primeiro lugar, porque o debate sobre o desenvolvimento sustentável associa-se a um objectivo incontornável das políticas regionais insulares; depois, porque implica um desafio criativo de conciliação de condicionalismos, obstáculos, oportunidades e potencialidades nas ilhas da Europa. Espero, assim que, do diálogo e das comunicações que se sucederão, possa emergir um sentimento comum que favoreça mais um ângulo de sensibilização da governação europeia no contexto, que temos procurado salientar, da diversidade territorial do espaço da União Europeia.
Os Açores são, como bem sabem, uma região que não só é insular como também, pela sua condição geográfica e natural, uma região ultraperiférica da Europa nos termos definidos no artigo 349º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Os conceitos “ilha” e “região ultraperiférica” não se confundem, é certo, nomeadamente pela exclusividade da cumulação e intensidade dos condicionalismos que afectam as RUP, mas as duas realidades têm elementos e, consequentemente, muitos interesses comuns. No essencial, “ilhas” e “regiões ultraperiféricas” – embora com fundamentação e realidades distintas – têm hoje de se defrontar com os desafios derivados da nova estrutura institucional da União, do momento actual de crise e da futura concretização das políticas da União Europeia, observando-se que a boa resolução desses desafios suscita considerações e medidas em tudo semelhantes.
É nestes contextos que os Açores têm desenvolvido uma acção de chamada de atenção para as mais-valias que, não só como região ultraperiférica mas também como ilhas atlânticas, trazemos à União Europeia. Uma dessas vantagens é, justamente, a projecção marítima que transmitimos ao continente europeu com mais de 950 mil quilómetros quadrados de zona económica exclusiva, a qual, apesar da sua vastidão, é, todavia, um espaço de delicado equilíbrio ambiental que sempre considerámos nas políticas regionais de gestão das pescas mas que, infelizmente, não tem merecido a atenção necessária por parte da União Europeia nos aspectos da sua salvaguarda e sustentabilidade. Os Açores oferecem, simultaneamente, uma plataforma atlântica de investigação e utilização de novas tecnologias, não só no que respeita aos fundos marinhos e hidrotermais, mas também no âmbito das inúmeras potencialidades da utilização de tecnologia espacial ou da biotecnologia. Os interesse empresariais e de instituições cientificas nestes domínios revelam bem essas potencialidades.
Somos também uma região de pioneirismo e de liderança na utilização dos seus recursos endógenos para produção de energia, no contexto português e europeu, com metas ambiciosas de se atingir os 50% de produção de electricidade a partir de fontes renováveis em 2014 e os 75% em 2018, e em que governo, investigadores e empresas, dos dois lados do Atlântico, trabalham em conjunto na busca de soluções inovadoras e exemplares.
Um último exemplo: as ilhas açorianas apresentam, igualmente, uma biodiversidade reconhecida, que temos procurado garantir com uma política rigorosa de protecção e valorização ambiental, que se reforça pela nossa condição de região agrícola e que se reflecte, por exemplo, também, na qualidade do nosso destino turístico que apela à fruição da Natureza. Recentemente, aliás, esse estatuto foi consagrado pela prestigiosa revista “National Geografic Traveller”, a qual, na sequência de uma avaliação feita por dezenas de peritos internacionais independentes, qualificou os Açores como o segundo melhor destino, no mundo, de turismo sustentável em ilhas.
Mas em todas estas e outras áreas, em que somos – e podemos ser ainda mais – um exemplo e mais-valia para a Europa, temos sempre, para procurar atingir o mesmo, de fazer mais, trabalhar melhor, com mais determinação e eficácia do que na Europa continental. Essa é, sem dúvida, uma condição que nos une a todos à volta desta Comissão das Ilhas, no âmbito da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da União Europeia: na verdade, em quase todos os aspectos, temos de trabalhar mais para obter o mesmo que a média europeia e devemos ser mais apoiados para esses apoios surtirem os mesmos efeitos que no território continental. Temos de melhorar a nossa comunicação porque estamos fora da plataforma territorial contínua, e temos de nos fazer ouvir mais alto porque estamos menos perto dos centros de decisão.
Não poderei permanecer todo o tempo nesta reunião, por ter de me deslocar ao Corvo, a mais pequena ilha do arquipélago, com apenas dezassete quilómetros quadrados, para participar, na companhia dos seus menos de quinhentos habitantes, nas comemorações do Dia dos Açores.
A ilha do Corvo e a vizinha ilha das Flores formam, como sabem, o Grupo Ocidental dos Açores – que o mesmo é dizer a última fronteira da Europa antes do continente americano – sendo feliz, por isso, a coincidência do lugar da evocação dessa data, tão importante para nós, com a nomeação dos Açores como “Região Europeia do Ano”.
É que, neste ano de 2010, celebraremos a distinção que nos foi conferida pela União Europeia sob o lema “Açores – onde a Europa chega mais longe”. E é, pois, neste contexto evocativo, que queremos trabalhar nestes dias na Comissão das Ilhas para irmos mais em frente. Desejo a todos um bom trabalho e uma agradável permanência na nossa Região.”
GaCS/CT
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