Ligado umbilicalmente ao mar, o Pe. João Brasil gosta de ir pescar nos tempos livres. Com 44 anos (30 de Julho de 1965), este sacerdote da diocese de Angra nasceu na Ilha de S. Jorge e, actualmente, é pároco na Ilha Graciosa. "Comprei um pequeno barco com os meus irmãos e pescava com familiares e amigos" - disse à Agência ECCLESIA.
Nas lides piscatórias, o padre pescador esclarece que não faz pesca de rede. Apenas "submarina, miudeza e, menos vezes, a pesca do alto". E acrescenta: "tipo de pesca artesanal". A cana, a linha e o anzol são utensílios essenciais para ocupar os tempos livres. Ordenado sacerdote a 25 de Junho de 1989, este pescador sublinha que "nem sempre se consegue tirar peixe".
Quando o grupo de amigos se junta e o mar está propício, o barco é o companheiro na ondulação. "Vamos pescar para fazermos uma jantarada" - disse. Quando a faina é boa, este grupo de amigos não vende o peixe. Se sobrar "damos às pessoas". Os açorianos têm o mar no sangue e quando "temos um bocadinho de tempo vamos relaxar, descansar e pescar para o mar".
Como o mar não é para brincadeiras, o Pe. João Brasil vai sempre com os amigos para o Oceano Atlântico. Após a pescaria, as brasas esperam pelo fruto do hobby. Na confecção, "todos fazem qualquer coisa". Enquanto uns abrem o peixe, os outros preparam a mesa para o repasto da comunhão.
Este pescador não gosta de ser conotado com o ditado popular - «Pescador e Caçador são uns exagerados» e confessa que não sabe "nem o tamanho, nem o peso dos peixes" que a linha trouxe com a ajuda do isco. "Não ligo a records". O lírio, chicharro, veja, garoupa e o sargo são as espécies mais abundantes no mar que banha a ilha Graciosa. "Temos também a miudeza - peixes mais pequenos - que servem para fritar" - esclarece.
O Verão é a estação preferida para as pescarias. "No Inverno o mar está mais perigoso, por isso vamos poucas vezes". Não se aventuram a percorrer muitas milhas. "Para pescar não é preciso ir muito longe, temos aqui algumas baías".
Para além de ser pescador em part-time, o Pe. João Brasil é também instrutor de mergulho de garrafa. "Sou instrutor de escafandro" - explica. Lentamente, tirou o curso com uns amigos e dá aulas nesta área. Actualmente, "estamos a dar um curso a onze pessoas".
A pesca submarina é outra paixão. "É diferente porque temos de ir para as «baixas» (rochas mais afastadas) onde existem pesqueiros". Com o barco ao largo - "fica sempre alguém a tomar conta da embarcação" - e o seu equipamento, o Pe. João Brasil mergulha na busca do peixe e das belezas do mar. O medo elimina-se com a experiência, mas "já apanhei alguns sustos: tempestades e tubarões". Também já visualizou baleias, todavia estas "passam mais na zona da ilha do Pico e do Faial".
As regras estão estabelecidas. Na pesca submarina não se pode "apanhar mais de dez peixes" por pessoa. Se o número for superior, "estamos sujeitos a uma multa da Polícia Marítima". Nas lides piscatórias nem sempre corre tudo bem. "Às vezes perde-se um arpão, uma arma ou a bóia com o peixe" - reconhece.
Este sacerdote não tem medo dos peixes. Já os conhece e sabe os seus hábitos. "As moreias estão lá nos seus buracos e não temos nada que colocar lá as mãos" - disse. Este pescador consciencioso só "apanha o peixe necessário". Olha para o futuro e fica preocupado com o desaparecimento de algumas espécies.
Os golfinhos são os parceiros predilectos neste sobe e desce das ondas. "Vêm brincar, muitas vezes, para a proa do barco". Para além destes cetáceos, os paroquianos são os companheiros de viagem. "Somos poucos padres e cada um tem as suas acções pastorais".
De forma oval e com cerca de 60 Km2 de superfície, a Ilha Graciosa tem quatro paróquias: Praia (S. Mateus); Santa Cruz, Guadalupe e Luz. Pouco montanhosa, plana e baixa na área norte e nordeste, eleva-se lentamente até à altitude de 398 m no Pico Timão, localizado no centro. O Pe. João Brasil tem a seu cargo a paróquia da Praia - cujo padroeiro é S. Mateus - e também joga futsal, tocou violão num rancho folclórico da Ilha de S. Jorge e é professor de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC).
No mergulho amador, o limite de profundidade "não nos deixa passar dos 40 metros". Uma descida por etapas com a ajuda de um "computadorzinho que nos regula" e transmite a informação correcta e os "tempos de descompressão". Com paragens obrigatórias, os mergulhadores devem saber "as sequências" para que o organismo não sofra as sequelas.
Nas profundezas do oceano, este padre da Ilha Graciosa sente-se no "mundo do silêncio". E acrescenta: "é o melhor que os Açores têm". Ao falar das cores que iluminam o oceano, o Pe. João Brasil esclarece: "com a profundidade vão-se perdendo algumas cores". Desaparece o vermelho, o amarelo... O mergulho tem "outra beleza" até aos 20 metros de profundidade. Com a sua máquina fotográfica regista estes segredos do mar. "É um hobby muito engraçado".
A timidez da sua voz indica-nos o caminho... Aponta-nos para o transcendente e as razões deste misticismo. "Habituámo-nos a viver sozinhos e fechados pelo mar". Este é "o primeiro companheiro", por isso "o açoriano é introvertido por natureza".
Apesar de considerar o mar como companheiro, este sacerdote não tem o hábito de ir sozinho para o oceano. "Pode acontecer algo... uma das regras de segurança é ir acompanhado". Olhar o estrelado do céu e sentir o baloiçar das ondas também não é muito aconselhável. "Também não gosto. Já fiz mergulho nocturno e não gostei muito" - confessou.
Tal como a movimentação marítima que «beija» as ilhas de bruma, o nevoeiro inicial do diálogo começa a desvanecer-se. A contrariedade existente no arquipélago - vulcões e terramotos - "ajuda a ligarmo-nos ao transcendente". Em certas circunstâncias considera-se introvertido. "No início sou..." - confessa.
Os sismos moldam a personalidade do açoriano e a tradição religiosa popular centra-se no pedido de auxílio. Nossa Senhora da Saúde e Nossa Senhora do Socorro são expressões "utilizadas com frequência".
Tem duas embarcações - «S. Mateus» (faz parte de uma sociedade) e o «Trimix». O Pe. João Brasil explica o porquê dos nomes dos barcos. O Trimix é um barco de fibra - com 5 metros e 45 centímetros - e esta expressão utiliza-se no mergulho. "É um mergulho com três misturas". Em relação ao S. Mateus, "colocámos este nome porque é o padroeiro da paróquia".
Conotado com a sua riqueza ao nível do peixe, o Pe. João Brasil frisou que, actualmente, "já não existe tanto peixe como as pessoas pensam". As redes "clandestinas estão a matar muito peixe" porque as pessoas "não cumprem as regras".
Foi para o seminário com 15 anos, mas sempre que estava de férias o mar recebia-o de braços abertos. "Os superiores do seminário não lhe diziam nada porque são açorianos e percebem esta ligação entre as pessoas e o mar". Enquanto nas ilhas maiores - caso de S. Miguel - existem freguesias de costas voltadas para o mar, nas ilhas mais pequenas - caso da Graciosa e S. Jorge - "muitas famílias não compram peixe". Há sempre uma que tem um barco e apanha peixe para os vizinhos. "Existe o sentido de comunidade e comunhão entre as pessoas". E completa: "Na ilha Graciosa não há uma peixaria".
Conhece as nove ilhas que compõem o arquipélago - Corvo, Flores, Graciosa, Pico, S. Jorge, Faial, Terceira, Santa Maria e S. Miguel - e quando lhe disse que estive duas semanas na Ilha do Corvo respondeu prontamente: "Isso é um acto heróico". Não teve problemas de adaptação na Graciosa porque as estas terras vulcânicas são "praticamente todas semelhantes".
Ordenado há 20 anos, o Pe. João Brasil esteve dois anos na Ilha das Flores, 10 em S. Jorge e está há oito anos na Ilha Graciosa. "Estamos sempre a aprender com os outros" visto que cada ilhéu tem a sua experiência de vida.
Com cerca de mil paroquianos e os serviços pastorais organizados, este padre considera-se próximo da população. "Devemos estar com as pessoas e movimentar os grupos existentes". E conclui: "a maioria dos apóstolos eram pescadores".
Fonte: Agência Ecclesia
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