domingo, 14 de junho de 2009

Estratégia da SATA Air Açores


Em entrevista ao PÚBLICO, o presidente da SATA Air Açores, António Gomes de Menezes, admite uma quebra de quatro a cinco por cento no tráfego, provocada pela crise económica global. Ainda assim, a transportadora aérea, que no ano passado apresentou prejuízos de praticamente três milhões de euros, em linha com a derrapagem da indústria a nível mundial, gastou 90 milhões de euros na renovação da frota e acabou de apresentar uma nova imagem.
Num ano de crise da indústria aérea, a SATA investiu em novos aviões e numa nova imagem. Será uma estratégia sensata? Quanto à renovação da frota, o projecto já foi iniciado há alguns anos, apesar de só estar a ser concretizado agora. No que diz respeito aos novos aviões da SATA Air Açores, havia a questão de continuidade da operação, porque os aparelhos que a companhia possuía já foram descontinuados pelos fabricantes e tornava-se cada vez mais difícil garantir a sua manutenção. É importante lembrar que a SATA tem um projecto social muito particular, uma vez que tem de assegurar a sustentabilidade do transporte aéreo, não só nos Açores, como de e para o arquipélago, devido à obrigação de serviço público. Neste sentido, a companhia SATA Internacional também tem vindo a fazer investimentos. É claro que é uma empresa extremamente vulnerável aos riscos e impactos que assolam a indústria da aviação mundial, mas sabemos que a frota precisa de ser rejuvenescida para se tornar mais competitiva e até diminuir os seus custos operacionais directos, no que diz respeito a gastos com manutenção e à racionalização dos recursos energéticos.
Qual é o nível de endividamento do grupo, tendo em conta o esforço financeiro na compra de aviões?
Não temos praticamente endividamento. A estratégia tem sido gerir o risco através de leasings financeiros [aluguer de aviões], em vez de adquirirmos os aparelhos com o nosso capital. Temos vindo a crescer de forma orgânica, mas não através de fundos próprios. É um risco calculado, portanto. A maioria dos nossos aviões pertence à ILFC, uma empresa de leasing que é a maior cliente da Airbus, o que lhe permite um poder negocial que seria inimaginável para uma companhia tão pequena quanto a SATA. O que fazemos é repartir o término dos nossos leasings no tempo para que não cessem todos ao mesmo tempo, permitindo-nos fazer novos investimentos de forma espaçada. Além disso, tentamos que terminem quando estejamos numa época mais fraca da operação, como o Inverno, e vice-versa. Este avião em que voamos vai começar a operar numa altura em que é suposto o tráfego crescer. É por isso que também temos uma parte da tripulação a contrato. São estes factores que nos permitem ser mais flexíveis e adaptar a oferta à procura.
Mas 2009 deverá ser um ano de fortes quebras no tráfego. Como é que estão as contas da SATA?
Há indicadores negativos e positivos a condicionar a nossa evolução. Por um lado, temos uma descida do tráfego, que rondou os quatro a cinco por cento no primeiro quadrimestre deste ano. E essa diminuição está a levar a uma quebra da facturação. No entanto, ao nível dos custos, temos tido uma melhoria na factura energética, o que, em conjunto com outras medidas de racionalização, nos permitiu ter uma performance financeira já muito próxima do break-even, nos primeiros quatro meses de 2009.
Que rotas estão a ser mais prejudicadas pela quebra no tráfego?
Na Madeira temos tido um ligeiro crescimento e nos Açores um decréscimo. As quebras não se sentem tanto nas rotas, mas mais no desaparecimento de alguns mercados, nomeadamente aqueles mais sensíveis ao preço, como o do lazer. São mercados que podem adiar as decisões, que não são assim tão rígidos nas datas e no tipo de viagens. Os que mais têm resistido são os mercados da saudade e o empresarial. E é aqui que procuramos ser uma alternativa mais económica.
Qual é o plano de corte de rotas?
Já temos uma rede relativamente vasta, com cerca de 50 destinos. Hoje em dia o paradigma rege-se por sabermos gerir, de uma forma muito dinâmica, o portfolio de rotas. Obviamente há que pensar, não só na rota, como também no serviço, no número de frequências, no tipo de aparelho usado. No primeiro quadrimestre foram cortados muito poucos voos. Já estamos é a planear os cortes até ao final do ano, com cerca de 136 voos para cancelar. Mas não quer dizer que esse número não se altere até lá.
São relativamente poucos voos, comparando, por exemplo, com os cerca de cinco mil que a TAP planeia cortar no primeiro semestre. Terá a ver com a obrigação de prestarem serviço público?
Sim. Temos alguma inércia operacional por isso, porque essa obrigação inibe os cortes que gostaríamos de fazer. O valor de alguns voos que temos tem de ser analisado do ponto de vista social e não da rentabilidade.
O que acaba por ser uma desvantagem em relação a outras companhias...É sabido que o facto de sermos uma empresa pública nos dá menos liberdade. Uma das principais respostas à conjuntura tem sido o cancelamento de rotas e de frequências de modo a evitar os voos em que a receita não cobre os custos directos e em que, por isso, a margem de lucro é negativa. No nosso caso, isso não é uma saída.
Se pudesse, abdicaria dessa “prisão”?
Hoje em dia sentimos que o mercado é muito mais dinâmico. Mas nós temos, obviamente, uma limitação, que nos obriga a adoptar racionalidade de outras formas. Tentamos encaminhar os fluxos para um conjunto de voos, de modo a diminuir os prejuízos.
Despedir trabalhadores é uma das alternativas à contenção de custos?
Não. Procurámos apenas soluções mais flexíveis para adequar a estrutura aos picos de operação, tendo em conta as possibilidades dadas pelo novo Código do Trabalho. Temos uma operação muito sazonal, com horários extremamente alargados e estamos num sector extremamente regulado, com regras de segurança cada vez mais exigentes. Por conseguinte, optámos pelos tempos parciais de trabalho e pelos bancos de horas, afectos à sazonalidade da operação e que mudam, inclusivamente, no próprio dia. Não sentimos que tenhamos necessariamente pessoas a mais. A nossa ideia é, aliás, continuar a crescer.
Mas estão a pensar em inaugurar novas rotas? Quais são as mais atractivas?
Estamos a pensar em consolidar as actuais, mas obviamente o mercado é dinâmico e temos de continuar a ponderar a expansão. As nossas rotas tradicionais estão longe de ser esgotadas, nomeadamente, os Açores e a Madeira. Têm todas as condições para crescer como destinos turísticos.
A investida da Easyjet não vos veio trazer algumas dificuldades a esse nível?
Sim. A Easyjet partilha connosco a rota Lisboa-Funchal. Entrou no dia 27 de Outubro de 2008, que foi o momento em que a crise se começou a sentir. Daí que seja bastante difícil analisar os dois efeitos de forma isolada, sendo certo que, quer um, quer outro, tiveram um impacto negativo na nossa actividade. Mas sentimos que temos um produto superior.
Ainda assim sentiram necessidade de lançar uma tarifa discount para competir com a low-cost britânica.
Claro. E está a ter óptimos resultados porque foi lançada na altura certa para fazer frente à oferta da Easyjet, mas com melhor qualidade, num momento em que os consumidores estão mais preocupados com a poupança e, por isso, procuram soluções mais económicas.
Acredita que vão ser capazes de voltar aos lucros em 2009?
A grande expectativa é obter um resultado operacional não negativo, mas não numa lógica de lucro económico, de rentabilidade de capital. Apenas queremos capitalizar a companhia, ao mesmo tempo que conseguimos renovar a frota e relançar a imagem e a proposta de valor. O objectivo consiste em manter os níveis de saúde financeira da companhia, dos capitais próprios e, simultaneamente, continuar a crescer.


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