Quando conheceu os Açores e os Dabney?
Uma coisa está ligada à outra. Vim aos Açores em 1988 sem nenhuma ideia preconcebida. Não sabia de nada do que aqui se passava a não ser que havia um anticiclone que era muito referido nos boletins meteorológicos. Comecei pela Ter- ceira e achei logo Angra do Heroísmo lindíssima. Depois vim ao Faial e aquilo que me espantou foram duas casas esquisitíssimas. Eu já tinha ido aos Estados Unidos, a Boston, e conhecia a arquitectura New England. E de repente lembrei-me de o Mário Mesquita em tempos ter escrito uma série de artigos no Diário de Notícias, que eu tinha achado fabulosos, sobre uma família americana do Faial. E percebi: isto são as casas dos Dabney.
Quando trabalhou os Annais , o que mais a surpreendeu nestes Dabney que em oitocentos chegaram ao Faial?
Eu gosto muito de ler relatos de viajantes estrangeiros sobre o meu país. E todos eles são cheios de preconceitos - como nós portugueses também temos preconceitos quando vamos a qualquer país. Tinha inclusivamente lido o relato sobre os Açores do Webster - que era um famoso professor de Harvard e primo de gente que tinha casa nos Açores. Ele escreveu um livro, creio que em 1821, e é muito duro e injusto para com os açorianos. Que eram todos preguiçosos, os morgados não faziam nenhum, não havia de-senvolvimento económico. É um livro escrito por um protestante e os protestantes têm sempre um olhar muito severo, crítico e injusto em relação aos países católicos. Ao contrário do Webster, os Dabney tentaram compreender as ilhas. E ajudaram-nos. Transformaram fisicamente o Faial. Não só com aquelas casas e armazéns que construíram, como com o dinamismo que imprimiram ao tráfego transatlântico, com a vida cultural. Os Dabney representam o que de melhor os Estados Unidos tinham para oferecer, que era o optimismo, o espírito empresarial, a capacidade de criar riqueza, a solidariedade familiar e a filantropia - ajudaram os habitantes do Faial em momentos de crise, de fome. Foram bons para a ilha.
Que sentido pode fazer a publicação deste livro hoje?
Acho que pode despertar o interesse por estudar a maneira como os estrangeiros se instalaram no nosso país. Eu faz-me impressão que, havendo comunidades estrangeiras radicadas há tanto tempo (como os ingleses ligados ao vinho do Porto) com arquivos e com cartas, não haja um grande estudo sobre a comunidade inglesa do vinho do Porto. Os portugueses não dão esse passo e eles mantêm a informação nos limites da família. A maior parte dos ingleses (como os Dabney), quer por razões de religião (porque são protestantes) quer por razões culturais, não se casa com os locais e os filhos são educados em Inglaterra. São ilhas dentro do país. Mas é interessante ver como é que se relacionam com o resto e espanta-me que isso não esteja mais desenvolvido.
Encantou-se com algum dos Dabney?
(risos) Acho que são todos eles homens dignos. Gosto daquele optimismo, porque eu não partilho daquele optimismo ontológico os americanos acreditam mesmo, veja-se o Obama, "Yes I Can". Eles são dessa pátria, os europeus não são dessa pátria. Achavam mesmo que eram capazes de fazer coisas e fizeram! Acho que o Charles W é o mais simpático porque o primeiro patriarca, o John Bass, ainda é muito um estrangeiro.
Este é um livro optimista?
É um livro que reconhece o enorme contributo que os estrangeiros podem dar a Portugal. Nós não devemos ser xenófobos, muitas vezes achamos que os estrangeiros vêm para explorar. Veja-se o caso do vinho do Porto ou o caso dos Dabney. Eles vieram cá ganhar dinheiro - e eram empresários, é normal que ganhassem dinheiro. Mas contribuíram para uma espécie de tom cultural que as sociedades sem eles não teriam.
Quem influenciou mais? Os Dabney aos faialenses ou vice-versa?
Acho que ambos influenciaram-se pouco. Isto era um ghetto. Era muito difícil o contacto, a percentagem de analfabetos era grande, não sabiam falar inglês, o John, o patriarca, não sabia falar português, a diferença cultural era total. E se não há contacto, não há influência. Eram dois mundos. Os Dabney pertenciam ao mundo de Boston e os faialenses ao mundo das crenças, das religiões, das promessas, achavam que os vulcões eram provocados pela ira divina.
Fonte: DN
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