Texto integral da intervenção do secretário regional da Presidência, André Bradford, proferida hoje, em Ponta delgada, na sessão de abertura do seminário “Os Açores na Geopolítica do Atlântico”:
“Quero começar por felicitar, em nome do Senhor Presidente do Governo, o Comando Operacional dos Açores, na pessoa do Senhor Vice-Almirante Abreu, pela passagem do décimo sétimo aniversário, aproveitando igualmente para lhe transmitir que - como temos dito frequentes vezes, e nunca é demais repetir - o Governo dos Açores atribui grande relevância e apreço à cooperação activa que é mantida com as entidades militares com presença no Arquipélago, num esforço conjunto de planeamento, previsão de meios e, inclusive, assistência em alturas de grande dificuldade.
Estamos gratos pela colaboração que tem sido desenvolvida e estamos seguros de que momentos como este ajudarão a aprofundá-la.
Em segundo lugar, quero felicitar todos os promotores desta iniciativa e dizer-vos da satisfação do Governo dos Açores em associar-se, desde a primeira hora, à mesma, esperando sinceramente que este Seminário se possa constituir num momento significativo de reflexão alargada sobre o papel dos Açores na geopolítica internacional actual, particularmente numa altura em que os Açores ostentam a designação de Região Europeia do Ano de 2010
Foi por isso que, ao definirmos o conceito que estaria na base do programa da Região Europeia do Ano, optámos por vincar a dimensão atlântica dos Açores e por destacar a profundidade que a nossa geografia acrescenta ao projecto europeu e que nos torna singulares nesse âmbito.
E foi também por isso que, logo que tivemos conhecimento da intenção da realização deste seminário, sugerimos a sua inclusão no programa oficial da Região Europeia do Ano – sugestão acolhida, aliás, com toda a disponibilidade e interesse por parte dos organizadores.
O programa deste Seminário é, neste sentido, um espelho das principais questões que se colocam presentemente, à Região e ao País, em termos de actualização do conceito geoestratégico que deve conduzir a nossa acção externa.
Questões como as da extensão da Plataforma Continental, da necessidade de reforçarmos a protecção da nossa Zona Marítima e fazermos uso da sua área como elemento de diferenciação positiva no espaço da União Europeia, ou ainda como as das nossas ligações ao espaço da Macaronésia, e em particular a Cabo Verde, sem esquecermos a nossa natural ligação à América do Norte – enfim, as questões que constam do programa de trabalhos deste evento são essenciais à compreensão dos Açores do futuro e devem fazer parte das preocupações de todos quantos detêm responsabilidades na nossa vida colectiva.
Se me é permitido adaptar a famosa citação de Mark Twain em relação à sua suposta morte, parece-me que também em relação aos Açores “as notícias sobre a nossa desvalorização estratégica têm sido claramente exageradas.”
Os Açores são hoje, mais que nunca, reconhecidos como um caso modelar no quadro da União Europeia, não só no domínio da aplicação dos fundos comunitários, mas também no que diz respeito à utilização de fontes renováveis de energia e ao estudo e conhecimento sobre o mar profundo.
Se é verdade que a ultraperiferia nos concede um estatuto jurídico por vezes entendido de forma depreciativa, não é menos verdade que os índices de conforto atingidos e as características particulares da nossa condição geográfica e do nosso processo de desenvolvimento têm-se constituído como elementos de valorização por parte dos representantes das instituições e organismos europeus.
A União Europeia percebe cada vez melhor o nosso papel de primeira fronteira externa do espaço comunitário no Atlântico Norte e, sobretudo, o potencial intrínseco destas ilhas para se constituírem como laboratório natural e experimental para alguns dos temas mais importantes da actualidade, como as alterações climáticas ou a produção sustentável de energia, ou ainda a preservação da biodiversidade.
Por outro lado, a nossa relação com o continente norte-americano, e muito em particular com os EUA, permanece um pilar vital da nossa acção regional externa e tem merecido um aprofundamento significativo nos últimos tempos:
Quer por via dos Acordos de parceria ou geminação com estados americanos, como são os casos de Massachusetts ou de Rhode Island.
Quer por via de uma participação política cada vez mais activa da comunidade portuguesa, açor-descendente, dos EUA e do seu peso impressionante, do ponto de vista proporcional, no contexto do sistema político americano
Quer ainda pelas características de estabilidade, num contexto geográfico isolado e num país aliado, sem ameaças de volatilidade política significativa, que permitem reafirmar o papel da Base das Lajes enquanto estrutura militar fundamental no contexto das bases dos EUA no estrangeiro.
Neste âmbito, a possibilidade, ainda em fase preliminar de discussão, de, com as devidas salvaguardas, podermos vir a acrescentar a esta estrutura novas valências e capacidades deve também ser entendida como uma oportunidade de reafirmação da nossa centralidade estratégica no Atlântico.
Reafirmo que nada foi decidido, nem nada será decidido sem a devida ponderação e protecção dos interesses dos Açores e dos Açorianos, mas também pergunto:
Não estaremos a defender os interesses dos Açores e dos Açorianos ao reforçarmos o papel da Região no contexto da participação de Portugal na NATO?
Não estaremos a pugnar pelos interesses da Região ao procurarmos consolidar os cerca de 800 postos de trabalho e os cerca de 70 milhões de euros anuais que a presença americana na Terceira gera?
Não estaremos a cumprir a nossa missão ao procurarmos hipóteses alternativas de valorização do nosso potencial estratégico e da nossa vocação externa?
Nesta matéria, o Governo dos Açores não cederá, como é óbvio, a qualquer eventual interesse externo, mas também não abdicará de procurar as melhores soluções, estando sempre disponível – como tem estado – para prestar os esclarecimentos que, a cada momento, se justificarem.
Para uma região com as características da nossa, a envolvente geopolítica atlântica é marcada, não só pela nossa localização territorial, mas também pelo acervo dos nossos recursos naturais e pelas questões ambientais e científicas associadas.
Ultrapassadas pela história as teorias fundadoras de Mahan e de Mackinder, ambas de pendor militar, centradas as preocupações sociais dos anos 70 em áreas geográficas particulares, a geopolítica é hoje, em boa medida, função da independência energética, do equilíbrio demográfico, e da riqueza e valorização do património natural.
Em todas estas variáveis, os Açores dispõem de condições que, não sendo únicas, são certamente vantajosas para o progresso e desenvolvimento da nossa Região, marcando decisivamente os desafios que se nos colocam, quer na reflexão, quer na acção no próximo futuro.
Churchill, sempre tão citado a quase todo o propósito, dizia que “a longa fronteira do Atlântico ao Pacífico, guardada apenas pelo respeito entre vizinhos e pela honra das partes, é um exemplo para todo e qualquer país e um padrão para o futuro do mundo”.
Que assim seja também hoje, num contexto europeu bastante diferente da Europa de Churchill, mas talvez precisamente por isso, num tempo em que o nosso papel neste espaço geopolítico ganha outro tipo de preeminência.
Espero, pois, que os trabalhos deste Seminário, nas suas várias abordagens temáticas, possam ajudar a aprofundar este desígnio e faço votos para que decorram com sucesso.”
GaCS/LFC
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