Intervenção do Secretário Regional da Economia, Vasco Cordeiro, na sessão de abertura do 9º Congresso dos Juízes Portugueses, que decorre em Ponta Delgada:
"Gostaria de, em nome do Governo dos Açores, dar-vos as boas vindas à Região Autónoma dos Açores e formular votos para que este 9º Congresso dos Juízes Portugueses corresponda, no decurso dos seus trabalhos e nos seus resultados, ao que esperam, ao que desejam e ao que a Justiça e o País precisam.
Gosto de pensar, perdoar-me-ão a ousadia, que a realização deste encontro aqui nos Açores não é fruto do acaso.
No momento em que tudo se questiona no nosso País a pretexto do contexto financeiro e económico que vivemos actualmente, a própria organização política do Estado não escapa à anorexia institucional que aparenta ter tomado conta do governo da Nação.
Penso, por isso, que a realização deste encontro numa região autónoma é, certamente, uma oportunidade de proporcionar aos titulares de um dos órgãos de soberania do nosso Estado, um conhecimento mais directo e mais aprofundado duma realidade tantas vezes esquecida, tantas vezes vilipendiada, por ignorância, por inércia ou por puro comodismo.
Falo-vos das Autonomias Regionais ou, para ser mais preciso, da Autonomia político-administrativa do arquipélago dos Açores.
Os tempos que vivemos são, seguramente, momentos em que a todos se exige cerrar fileiras em defesa do nosso País, da nossa soberania e, em última instância, da sobrevivência e viabilidade do nosso Estado.
Mas estes são também os tempos em que se impõe uma vigilância esclarecida e a denúncia destemida de todos aqueles que pretendem transformar a presente conjuntura numa justificação dogmática para medidas, para decisões e para políticas que, desde logo, pelos seus impactos, não podem deixar de ser sujeitas ao crivo da análise, da discussão, do debate e da fundamentação aturada e objectiva.
Os consensos, que são condição essencial para ultrapassarmos com honra e dignidade os desafios com que estamos confrontados, não podem alicerçar-se na passividade acrítica, nem, muito menos, podem resultar da pressão tácita, velada e implícita que conduz ao juízo segundo o qual questionar as opções, as medidas ou as soluções é sinónimo automático e implacável de falta de solidariedade, de fuga aos sacríficios que a todos se exigem, em suma, de falta de sentido patriótico. Qualquer coisa como se quem assim questionasse ou duvidasse, fosse o objecto perfeito de um curso intensivo de reeducação patriótica.
Permitam-me, pois, que, por breves momentos, tente deixar-vos uma ideia do que é a nossa Autonomia, do que temos feito e do que pretendemos fazer com ela.
Recuemos um pouco. Ao longo da História, mesmo quando circunscritos a este espaço insular de nove ilhas e de 600 quilómetros entre elas, os Açores, quando não foram porto de partida, foram sempre porto de chegada ou de passagem, num cosmopolitismo que a nossa geografia determina e que a evolução das comunicações, dos transportes, das tecnologias e da geo-política internacional foi reorganizando em novos circuitos e centralidades.
A história e a geografia deram a este Povo uma maneira peculiar de encarar os problemas e de responder aos desafios do meio e do tempo. Na feliz expressão de Vitorino Nemésio, e cito “Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e de pedra. Os nossos ossos mergulham no mar.” Fim de citação.
Foi essa Açorianidade, que emana das pessoas e do seu querer, que acabou por ter as primeiras consequências políticas efectivas a partir do final do século XIX, fundamentando-se nas diferenças culturais e sociais derivadas do isolamento, ou na evolução social, nas liberdades públicas e na emancipação de tutelas desnecessárias, deram-se então passos marcantes para estabelecer uma descentralização de poder em favor dos distritos das ilhas açorianas, sob o lema da "Livre Administração dos Açores pelos Açorianos", a qual acabaria por encontrar eco na promulgação do Decreto de 2 de Março de 1895.
Esse decreto pode, efectivamente, nas suas causas e nos seus efeitos, ser considerado como o acto fundador da Autonomia dos Açores, apesar de entre aquela data e a restauração da democracia, em 1974, essa Autonomia ter sido sucessivamente suspensa e depauperada pela asfixia financeira e política do Terreiro do Paço.
A verdade é que, com a Revolução de Abril, a conclusão do processo de descolonização reduziu Portugal ao triângulo do continente e dos dois arquipélagos dos Açores e da Madeira. São os três elementos de uma territorialidade nova na sua estrutura, nos recursos e possibilidades, tanto na perspectiva europeia, como na dimensão atlântica das zonas económicas exclusivas e das potencialidades geoestratégicas.
Graças à profundidade atlântica portuguesa, que é conferida sobretudo pelos Açores, Portugal não tem apenas pergaminhos históricos para a facilitação do diálogo euro-africano: tem, com maior persuasão, os mesmos pergaminhos e outros argumentos de facto para fomentar e protagonizar a relação transatlântica, começando pela luso-americana, integrando-se mais efectivamente na ibero-americana e agindo com maior convicção política liderante na euro-americana.
É por isso que deste lado do Atlântico não nos cansaremos de repetir, e de procurar demonstrar, que os Açores e Portugal, no seu conjunto, têm grandes responsabilidades – e, até, potencialidades – para, nos novos quadros globais de relacionamento, desempenharem funções de relevo em certos domínios, seja pela política, seja em áreas económicas tradicionais como a agricultura e as pescas, seja, ainda, em áreas emergentes como a energia, as comunicações e evidentemente, claramente, obrigatoriamente, o MAR!
Também aqui, à semelhança, por exemplo, do relacionamento com entidades externas no quadro da cooperação regional na União Europeia ou até com alguns estados dos Estado Unidos ou Províncias do Canadá, é uma pena que o País não aproveite, nem esteja desperto para beneficiar, da acção, da presença e da influência das Regiões Autónomas.
Senhoras e Senhores,
Há trinta anos que, dia a dia, apoiados, também, na solidariedade nacional e europeia mas, sobretudo, nos nossos saberes, construímos, nos Açores, um espaço de subsidiariedade, solidariedade e de sustentabilidade, no sentido da realização do bem comum.
Nesse período, os Açores tornaram-se irreconhecíveis, para melhor, sendo hoje uma Região que alcançou níveis de modernização na agricultura e nas pescas, uma elevada visibilidade nos mercados pelo desempenho da indústria transformadora daqueles sectores, e por uma crescente atractividade, quer para investidores externo,s quer para o turismo, passando de uma Região de emigração, que perdeu o dobro da sua população actual, para uma região de imigração e de novas oportunidades, apesar da sua exiguidade territorial e complexidade demográfica.
Ou seja, também já podemos dizer que temos orgulho do nosso presente. E esta é uma conquista do Portugal Democrático.
Ora, isso só tem sido possível porque, entre outros aspectos, a Região tem praticado uma gestão escrupulosa, salvaguardando o equilíbrio das nossas finanças públicas.
Esta gestão - que orgulha um dos três governos do nosso país, que é o Governo dos Açores -, garante que esta Região tenha uma dívida pequena porque recorre de forma muito moderada ao endividamento, o que é confirmado pelo Instituto Nacional de Estatística e por todas as entidades internacionais que nos têm auditado. Foram estas regras que aceitamos, através da Lei das Finanças Regionais, e que cumprimos, em nome de uma solidariedade nacional e lealdade institucional recíproca.
Mas mesmo com essas regras, que mais do que uma imposição por força da lei, foram assumidas e interiorizadas como parte inalienável de um código de bom governo, foi, e é possível verificar a melhoria da situação das finanças públicas regionais, o que pode ser aferido, i. e.,pelo passivo total das empresas públicas açorianas, que diminuiu no último ano, bem como pela redução do recurso ao endividamento, redução essa que atingiu os 75% entre 2010 e 2012.
Em suma, e dito de outra forma, cada Açoriano deve, em média, seis vezes menos que qualquer cidadão português, cada Açoriano deve cinco vezes menos, em média, do que um madeirense.
Acresce que apesar dos últimos indicadores do desemprego revelarem aquilo que é uma tendência quase universal que também se verifica nos Açores, que é um aumento do número de desempregados, também demonstram que na nossa Região há uma incidência do desemprego, felizmente, muito menor do que acontece no resto do país e na Região Autónoma da Madeira.
Nós não somos perfeitos, nem temos a arrogância de querer ser a reserva moral do país. Mas, pelo que consta, somos seguramente diferentes. Temos procurado gerir da forma mais adequada, e com o maior sentido de responsabilidade possível, os Açores.
Por isso, não vamos admitir a vitória de uma estratégia de destruição da Autonomia, seja pela ignorância, má-fé ou mesmo convicção centralista -que também a há! -, à custa da leviandade de outros.
Na defesa dos interesses dos Açores e da nossa Autonomia, é bom que se saiba onde podemos ser encontrados: na linha da frente!
Não temos o dinheiro que precisávamos para fazer inúmeras coisas, não fazemos muitas coisas porque não as podemos pagar, e não admitimos que aquilo que é o acervo de competências da Autonomia, que aquilo que é a ideia forte de que a governação próxima é a mais eficaz do que a governação distante seja destruído.
Às Regiões Autónomas devem ser transmitidos os compromissos aos quais Portugal se obriga junto dos seus parceiros internacionais, estabelecidas as regras gerais, por exemplo no endividamento, que o Estado se propõe respeitar, mas não a forma como aqui esses objectivos devem ser alcançados. A aplicação concreta das medidas que assegurem o cumprimento de objectivos nacionais só pode ser decidida pelo Governo autónomo. O contrário é a negação do próprio conceito de Autonomia.
Reafirmamos pois que não há alternativa no quadro político do Portugal moderno às autonomias regionais, e é, precisamente, por ter esta concepção de responsabilidade e lealdade inerentes à unidade nacional que, apesar da situação das finanças públicas nos Açores não ter comparação com outras, não nos dispensamos de continuar a dar o nosso contributo, na medida das nossas disponibilidades e face às obrigações que o país, no seu todo, contraiu com a assistência externa, para que Portugal possa ultrapassar esta fase que é muito difícil.
Mas se na operacionalização dos objectivos incritos no documento da Troika que, sublinhe-se, o Estado português deve honrar, a liberdade de concretização nele prevista é usada na invenção de medidas que se revelam, nas propostas já apresentadas, de especial incidência negativa na Região, não nos podemos calar.
Temos um património de credibilidade e de cumprimentos que assim o demanda e legitima.
É assim com a RTP- Açores, com a reforma autárquica e a propalada proposta para extinção de freguesias, ou com a extinção de serviços de finanças ou de tribunais. Pois esses são, e continuarão a ser, a nosso ver, o cerne das obrigações que o Estado português tem de continuar a cumprir nesta parcela de território nacional chamada Açores.
Senhoras e Senhores,
Voltando ao início, os Açores, quando não foram porto de partida, foram sempre porto de chegada, carregam pois Vossas Excelências parte da esperança e parte da responsabilidade para a solução dos tempos difíceis que atravessamos.
Como julgo ter ficado aqui dito, o Governo dos Açores, as famílias e as empresas Açorianas estão a fazer a sua parte.
Acreditamos que daqui também sairão novas caravelas que farão de Portugal um País melhor".
GaCS
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