Desde o início dos estudos botânicos sobre os Açores, nos finais do século XVIII e
particularmente durante o século XIX, que se vem a considerar que a flora endémica dos
Açores não apresenta muita diversidade, especialmente quando comparada com a que ocorre
nas ilhas Canárias. No entanto, nesta década, e graças ao advento e vulgarização das técnicas
de genética molecular, tem surgido uma série de estudos sobre a flora dos Açores que
revelaram a existência de uma maior diversidade em plantas endémicas do que a
originalmente conhecida.
É dentro desta recente linha de estudos em biodiversidade que foi publicado no dia 29 de
maio de 2015 um número especial da revista Phytotaxa, a maior revista científica atualmente
vocacionada para a publicação de estudos em sistemática botânica a nível mundial, dedicado a
novas adições à flora endémica dos Açores.
Neste número especial encontram-se reunidos artigos de vários autores que descrevem novas
espécies, redescobrem espécies esquecidas e reavaliam a taxonomia de plantas endémicas
que não eram consideradas espécies. É o caso do folhado, que se pensava ser apenas uma
subespécie endémica e que é agora elevado a espécie, com o nome de Viburnum treleasei,
resultado do trabalho de investigadores da Equipa de Botânica do CIBIO-Açores, um pólo do
CIBIO / INBIO Laboratório Associado, sediado na Universidade dos Açores. Esta equipa liderou
uma extensa revisão morfológica e molecular das várias espécies aparentadas de folhado,
existentes no sul da Europa, ilhas do mediterrâneo, norte de África, Açores e Canárias.
Uma redescoberta similar surgiu durante a revisão efetuada pela mesma Equipa de Botânica
do CIBIO-Açores, envolvendo as espécies de patalugo endémicas dos Açores, que são plantas
da família Asterácea, pertencentes ao género Leontodon, com chamativos capítulos compostos
por flores amarelas. Durante várias décadas pensou-se que apenas existiam duas espécies
endémicas de patalugo, designadas por patalugo menor e patalugo maior, no entanto a
investigação publicada agora revelou que existem três espécies endémicas, isoladas por grupo
de ilhas: Leontodon rigens em São Miguel, Leontodon filii no grupo central, e Leontodon
hochstetteri no grupo ocidental, tendo esta última espécie já sido dada como endémica para
os Açores num dos primeiros tratados sobre a flora deste arquipélago, publicado no século XIX,
mas descurada em trabalhos posteriores. A investigação, que se baseou numa extensa revisão
morfológica, incluindo exemplares recentes e históricos existentes em herbários há volta do
mundo, e também em dados moleculares, revelou ainda a existência de híbridos formados
com uma outra espécie de Leontodon não endémica e cujo desconhecimento confundiu ainda
mais os estudos anteriores sobre este género nos Açores.
Outra espécie agora considerada endémica é designada por cubres. Embora tivesse sido dada
como endémica para os Açores no século XIX, trabalhos mais recentes levaram a que se
pensasse ter sido introduzida a partir de plantas oriundas da América do Norte. No entanto,
2
verificou-se através do estudo agora publicado, realizado por um investigador da Universidade
Técnica de Munique, tratar-se de fato de uma espécie endémica dos Açores, designada como
Solidago azorica. A biodiversidade potencial da flora dos Açores também ocorre nos briófitos,
pois entre estas novas adições à flora endémica dos Açores encontra-se uma nova espécie com
o nome de Rhynchostegiella azorica, sugerindo este trabalho, liderado por investigadores da
Universidade de Liège, que poderão existir outras.
Estas novas espécies não circunscrevem toda a biodiversidade a ser descoberta nos Açores nos
últimos tempos, tendo sido recentemente publicado um artigo liderado por investigadores do
Pólo de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, também na revista Phytotaxa, onde
se descreve uma nova subespécie e uma nova variedade de cedro do mato.
Neste momento encontram-se vários outros estudos a serem finalizados pelos investigadores
da Equipa de Botânica do CIBIO-Açores, em colaboração com a Universidade da Madeira,
Museu de História Natural de Londres e Universidade Técnica de Munique, prevendo-se a
breve trecho mais adições à flora endémica dos Açores.
Estas novas descobertas e outros trabalhos em curso indicam que ainda há muito por estudar
na flora dos Açores. É imperativo proceder com extrema cautela ao realizar ações de
conservação envolvendo translocações - transporte de plantas endémicas de umas ilhas para
as outras. É fundamental não interferir com o processo natural de evolução que decorre no
Arquipélago. A transferência de plantas endémicas entre ilhas ou entre diferentes populações
irá interferir no processo evolutivo, pondo em risco o autêntico laboratório natural que existe
nos Açores. Do mesmo modo, a propagação de plantas endémicas por processos de clonagem
origina cópias idênticas que poderão levar à erosão genética das populações naturais. A
conservação dos endemismos exige a conceção e execução de planos de recuperação
baseados em evidências científicas. Ações dispersas e descoordenadas poderão originar
impactes ecológicos negativos e perdas para o erário público.
Endereço do número especial da revista Phytotaxa dedicado à flora dos Açores:
http://www.mapress.com/phytotaxa/content/2015/pt00210(1).htm
Contacto:
Mónica Moura (Professora Auxiliar)
CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos / InBIO - Laboratório
Associado. Departamento de Biologia, Universidade dos Açores, Rua Mãe de Deus 58,
Apartado 1422, 9501-801 Ponta Delgada, Açores, Portugal
Correio eletrónico: moura@uac.pt
Telefone: 296650475
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário