terça-feira, 30 de março de 2010

Intervenção do Secretário Regional da Presidência



Texto integral da intervenção do Secretário Regional da Presidência, André Bradford, proferida hoje, em Ponta Delgada, na sessão de abertura do Seminário “A importância dos media na integração dos imigrantes e na promoção do diálogo intercultural”, realizado no âmbito do projecto MigrAçores, financiado pelo Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de países Terceiros e ACIDI:

“Começo a minha intervenção nesta Sessão de Abertura por saudar a Associação de Imigrantes nos Açores (AIPA) por mais esta iniciativa, que é prova do seu contínuo e amplo trabalho na promoção dos interesses e das causas das comunidades imigrantes que vivem na Região.

Na prossecução das suas competências nesta área específica da Governação, o Governo dos Açores tem contado sempre com a disponibilidade, o empenho e a capacidade de iniciativa da AIPA, enquanto parceiro fundamental para garantir o sucesso das políticas públicas e a eficácia da ligação destas aos seus principais destinatários.

Em Dezembro de 1893, o New York Times incluía na sua página de informação variada uma breve com o título “Portugueses condenados a fuzilamento”, enviada pela sua delegação em Inglaterra. Os portugueses em causa eram Abraão e Salomão Benchimol (a filiação religiosa também se podia depreender da notícia), dois irmãos proprietários de uma companhia de transportes marítimos entre o Reino Unido e o Brasil, que tinham sido acusados de transportarem ilegais.

Bastante mais recentemente, em Março de 1984, a revista Time trazia uma reportagem alargada sobre o julgamento de um caso de violação que viria a ser, depois, tema de filme, e que agitou a cidade de New Bedford, no Estado do Massachusetts durante largos meses. Na reportagem lia-se, a dada altura, que, e cito, “os seis arguidos são cidadãos residentes de ascendência portuguesa. Alguns falam muito mal inglês e têm de usar auscultadores para seguirem a tradução em português do julgamento. (…) A comunidade luso-americana, que representa mais de metade dos 98 000 habitantes de New Bedford, desempenhou um papel fundamental no rejuvenescimento da indústria pesqueira local, mas, no seguimento deste caso, sentimentos anti-portugueses surgiram, tanto nos meios de comunicação social como em conversas privadas”.

Escolhi estes dois casos – podia ter referido outros, igualmente significativos – para lançar a minha abordagem ao tema desta conferência porque eles são, a meu ver, prova clara de que, por um lado, o papel dos meios de comunicação de massas na percepção social, positiva e negativa, dos fenómenos migratórios não é de agora e, por outro, de que os portugueses, e os açorianos em particular, pela sua história e pela dispersão da sua diáspora têm uma acrescida obrigação moral sobre esta matéria.

Mencionei intencionalmente dois casos negativos, em que a identificação dos envolvidos é feita com base na sua nacionalidade e em que o contexto da notícia gera necessariamente conotações negativas que são, aos olhos do público, generalizadas a toda a comunidade.

No caso da notícia do New York Times, era absolutamente irrelevante a nacionalidade dos irmãos, enquanto que no caso da Time, se é verdade que é uma coincidência tentadora do ponto de vista jornalístico o facto de todos os arguidos comungarem de uma mesma matriz migratória, a forma como esse dado é utilizado na peça não pode deixar de lançar abusiva e generalizadamente um estigma sobre toda uma comunidade.

Essa é, do meu ponto de vista, a questão central quando se fala do papel dos meios de comunicação social na integração dos imigrantes e na promoção da diversidade: a da responsabilidade social dos média.

Os órgãos de comunicação social são peças fundamentais na promoção de uma sociedade aberta, respeitadora das diferenças e livre de preconceitos.

São-no enquanto divulgadores em larga escala do papel, da história ou da cultura de uma certa comunidade ou de um determinado povo – e este é o lado romântico da história – mas são-no, de forma ainda mais aguda, enquanto instâncias de interpretação da realidade.

Nas sociedades contemporâneas, a experiência pessoal e social é cada vez mais mediatizada, ou cada vez menos vivida, e, por causa disso, a percepção da realidade e a formação da opinião são processos em que os meios de comunicação – seja eles quais forem – assumem um papel cada vez mais decisivo.

Os meios de comunicação de massa são hoje instrumentos fundamentais na produção da nova coesão social, exactamente porque lidam com a fabricação, reprodução e disseminação de representações sociais que fundamentam a compreensão que os grupos sociais têm de si mesmos e dos outros, ou seja, a sua auto-imagem e a sua visão social.

Neste contexto, não é indiferente que um determinado jornal refira a nacionalidade de um agressor quando ele é estrangeiro ou que um canal televisivo transmita em directo um assalto praticado por imigrantes – não é indiferente porque é, deliberadamente ou não, uma forma de discriminação negativa que se pode incorporar de forma quase imperceptível no discurso dominante.

E tanto assim é que, por exemplo, a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão independente, especializado na luta contra a discriminação racial e que funciona junto do Alto Comissariado para Imigração e Diálogo Intercultural, subscreveu, em 2006, um documento - dirigido aos media e às forças de segurança – com recomendações no tocante à divulgação da nacionalidade, etnia, religião ou situação documental dos suspeitos da prática de ilícitos, com vista a evitar a criação de estereótipos pelos media junto da opinião pública.

Estas recomendações, que fazem sentido não só para o todo nacional como para a Região, não pretendem censurar informação que os órgãos de comunicação social considerem, dentro da sua liberdade editorial, ser fundamental para a construção da notícia ou para o cumprimento do dever de informar.

Apelam antes à responsabilização dos produtores de informação e procuram sensibilizá-los para a especificidade que o tratamento deste tipo de notícias deve ter para poder ser socialmente justo.

Nos Açores, o Governo, ciente da importância deste papel dos media, tem também apoiado ou desenvolvido iniciativas próprias nas áreas da imprensa escrita e digital, da rádio, da televisão e do fotojornalismo, que contribuam para a integração das comunidades emigrantes açorianas nas respectivas sociedades de acolhimento e das comunidades imigrantes na sociedade açoriana.

De 2006 a 2008, apoiámos, através da Direcção Regional das Comunidades, a realização do Prémio D. Juta Ben-David, uma iniciativa da AIPA, que visava premiar trabalhos de jornalistas açorianos sobre os imigrantes ou suas comunidades nos Açores.

A ideia era precisamente a de incentivar a produção jornalística que divulgasse a multiculturalidade e que promovesse, desse modo, o diálogo intercultural, discriminando positivamente o que muitas vezes é objecto de discriminação negativa.

Para a edição deste ano, decidimos alargar o âmbito desta iniciativa, que terá a designação “Prémio Jornalismo Comunidades” e comportará novas categorias a concurso, destinadas também a abranger as reportagens dedicadas às comunidades emigrantes açorianas.

A categoria “Açores Emigrante” é destinada aos jornalistas residentes em Portugal, com trabalhos publicados ou difundidos em órgãos de informação nacionais ou regionais, e que incidam sobre a temática da Emigração e das Comunidades Açorianas.

A categoria “Açores Imigrante” é destinada aos jornalistas residentes em Portugal que tenham produzido trabalhos incidindo sobre a temática da Imigração e Comunidades Imigradas nos Açores, contribuindo para um maior conhecimento deste fenómeno nas nossas ilhas.

Por sua vez, a categoria “Comunidades Açorianas” é destinada aos jornalistas das Comunidades Açorianas residentes na Bermuda, Brasil, Canadá, Estados Unidos da América e Uruguai, com trabalhos que tenham sido publicados ou difundidos em órgãos de informação destes países, e que incidam sobre a temáticas relativas às comunidades açorianas, à integração dos emigrantes açorianos nas respectivas sociedades de acolhimento, bem como, trabalhos de âmbito geral sobre a Região Autónoma dos Açores.

O vencedor de cada categoria no âmbito deste Prémio receberá um prémio monetário no valor de 2 000 euros.

Paralelamente, continuamos a apoiar o programa radiofónico “O Mundo Aqui”, que é um exemplo perfeito de uma boa utilização do poder formativo e informativo dos média, e das virtualidades do serviço público de rádio e televisão, no sentido de fazer do outro um de nós.

Muito obrigado pela vossa atenção e votos de um bom trabalho.”



GaCS/SRP

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