Texto integral da intervenção do Secretário Regional da Presidência, André Bradford, proferida hoje, em Ponta Delgada, na sessão de abertura do Seminário “A importância dos media na integração dos imigrantes e na promoção do diálogo intercultural”, realizado no âmbito do projecto MigrAçores, financiado pelo Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de países Terceiros e ACIDI:
“Começo a minha intervenção nesta Sessão de Abertura por saudar a Associação de Imigrantes nos Açores (AIPA) por mais esta iniciativa, que é prova do seu contínuo e amplo trabalho na promoção dos interesses e das causas das comunidades imigrantes que vivem na Região.
Na prossecução das suas competências nesta área específica da Governação, o Governo dos Açores tem contado sempre com a disponibilidade, o empenho e a capacidade de iniciativa da AIPA, enquanto parceiro fundamental para garantir o sucesso das políticas públicas e a eficácia da ligação destas aos seus principais destinatários.
Em Dezembro de 1893, o New York Times incluía na sua página de informação variada uma breve com o título “Portugueses condenados a fuzilamento”, enviada pela sua delegação em Inglaterra. Os portugueses em causa eram Abraão e Salomão Benchimol (a filiação religiosa também se podia depreender da notícia), dois irmãos proprietários de uma companhia de transportes marítimos entre o Reino Unido e o Brasil, que tinham sido acusados de transportarem ilegais.
Bastante mais recentemente, em Março de 1984, a revista Time trazia uma reportagem alargada sobre o julgamento de um caso de violação que viria a ser, depois, tema de filme, e que agitou a cidade de New Bedford, no Estado do Massachusetts durante largos meses. Na reportagem lia-se, a dada altura, que, e cito, “os seis arguidos são cidadãos residentes de ascendência portuguesa. Alguns falam muito mal inglês e têm de usar auscultadores para seguirem a tradução em português do julgamento. (…) A comunidade luso-americana, que representa mais de metade dos 98 000 habitantes de New Bedford, desempenhou um papel fundamental no rejuvenescimento da indústria pesqueira local, mas, no seguimento deste caso, sentimentos anti-portugueses surgiram, tanto nos meios de comunicação social como em conversas privadas”.
Escolhi estes dois casos – podia ter referido outros, igualmente significativos – para lançar a minha abordagem ao tema desta conferência porque eles são, a meu ver, prova clara de que, por um lado, o papel dos meios de comunicação de massas na percepção social, positiva e negativa, dos fenómenos migratórios não é de agora e, por outro, de que os portugueses, e os açorianos em particular, pela sua história e pela dispersão da sua diáspora têm uma acrescida obrigação moral sobre esta matéria.
Mencionei intencionalmente dois casos negativos, em que a identificação dos envolvidos é feita com base na sua nacionalidade e em que o contexto da notícia gera necessariamente conotações negativas que são, aos olhos do público, generalizadas a toda a comunidade.
No caso da notícia do New York Times, era absolutamente irrelevante a nacionalidade dos irmãos, enquanto que no caso da Time, se é verdade que é uma coincidência tentadora do ponto de vista jornalístico o facto de todos os arguidos comungarem de uma mesma matriz migratória, a forma como esse dado é utilizado na peça não pode deixar de lançar abusiva e generalizadamente um estigma sobre toda uma comunidade.
Essa é, do meu ponto de vista, a questão central quando se fala do papel dos meios de comunicação social na integração dos imigrantes e na promoção da diversidade: a da responsabilidade social dos média.
Os órgãos de comunicação social são peças fundamentais na promoção de uma sociedade aberta, respeitadora das diferenças e livre de preconceitos.
São-no enquanto divulgadores em larga escala do papel, da história ou da cultura de uma certa comunidade ou de um determinado povo – e este é o lado romântico da história – mas são-no, de forma ainda mais aguda, enquanto instâncias de interpretação da realidade.
Nas sociedades contemporâneas, a experiência pessoal e social é cada vez mais mediatizada, ou cada vez menos vivida, e, por causa disso, a percepção da realidade e a formação da opinião são processos em que os meios de comunicação – seja eles quais forem – assumem um papel cada vez mais decisivo.
Os meios de comunicação de massa são hoje instrumentos fundamentais na produção da nova coesão social, exactamente porque lidam com a fabricação, reprodução e disseminação de representações sociais que fundamentam a compreensão que os grupos sociais têm de si mesmos e dos outros, ou seja, a sua auto-imagem e a sua visão social.
Neste contexto, não é indiferente que um determinado jornal refira a nacionalidade de um agressor quando ele é estrangeiro ou que um canal televisivo transmita em directo um assalto praticado por imigrantes – não é indiferente porque é, deliberadamente ou não, uma forma de discriminação negativa que se pode incorporar de forma quase imperceptível no discurso dominante.
E tanto assim é que, por exemplo, a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão independente, especializado na luta contra a discriminação racial e que funciona junto do Alto Comissariado para Imigração e Diálogo Intercultural, subscreveu, em 2006, um documento - dirigido aos media e às forças de segurança – com recomendações no tocante à divulgação da nacionalidade, etnia, religião ou situação documental dos suspeitos da prática de ilícitos, com vista a evitar a criação de estereótipos pelos media junto da opinião pública.
Estas recomendações, que fazem sentido não só para o todo nacional como para a Região, não pretendem censurar informação que os órgãos de comunicação social considerem, dentro da sua liberdade editorial, ser fundamental para a construção da notícia ou para o cumprimento do dever de informar.
Apelam antes à responsabilização dos produtores de informação e procuram sensibilizá-los para a especificidade que o tratamento deste tipo de notícias deve ter para poder ser socialmente justo.
Nos Açores, o Governo, ciente da importância deste papel dos media, tem também apoiado ou desenvolvido iniciativas próprias nas áreas da imprensa escrita e digital, da rádio, da televisão e do fotojornalismo, que contribuam para a integração das comunidades emigrantes açorianas nas respectivas sociedades de acolhimento e das comunidades imigrantes na sociedade açoriana.
De 2006 a 2008, apoiámos, através da Direcção Regional das Comunidades, a realização do Prémio D. Juta Ben-David, uma iniciativa da AIPA, que visava premiar trabalhos de jornalistas açorianos sobre os imigrantes ou suas comunidades nos Açores.
A ideia era precisamente a de incentivar a produção jornalística que divulgasse a multiculturalidade e que promovesse, desse modo, o diálogo intercultural, discriminando positivamente o que muitas vezes é objecto de discriminação negativa.
Para a edição deste ano, decidimos alargar o âmbito desta iniciativa, que terá a designação “Prémio Jornalismo Comunidades” e comportará novas categorias a concurso, destinadas também a abranger as reportagens dedicadas às comunidades emigrantes açorianas.
A categoria “Açores Emigrante” é destinada aos jornalistas residentes em Portugal, com trabalhos publicados ou difundidos em órgãos de informação nacionais ou regionais, e que incidam sobre a temática da Emigração e das Comunidades Açorianas.
A categoria “Açores Imigrante” é destinada aos jornalistas residentes em Portugal que tenham produzido trabalhos incidindo sobre a temática da Imigração e Comunidades Imigradas nos Açores, contribuindo para um maior conhecimento deste fenómeno nas nossas ilhas.
Por sua vez, a categoria “Comunidades Açorianas” é destinada aos jornalistas das Comunidades Açorianas residentes na Bermuda, Brasil, Canadá, Estados Unidos da América e Uruguai, com trabalhos que tenham sido publicados ou difundidos em órgãos de informação destes países, e que incidam sobre a temáticas relativas às comunidades açorianas, à integração dos emigrantes açorianos nas respectivas sociedades de acolhimento, bem como, trabalhos de âmbito geral sobre a Região Autónoma dos Açores.
O vencedor de cada categoria no âmbito deste Prémio receberá um prémio monetário no valor de 2 000 euros.
Paralelamente, continuamos a apoiar o programa radiofónico “O Mundo Aqui”, que é um exemplo perfeito de uma boa utilização do poder formativo e informativo dos média, e das virtualidades do serviço público de rádio e televisão, no sentido de fazer do outro um de nós.
Muito obrigado pela vossa atenção e votos de um bom trabalho.”
GaCS/SRP
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