Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, na Horta, na Sessão Solene comemorativa do Dia da Região Autónoma dos Açores:
“Neste dia em que se celebram os Açores e a nossa Autonomia, as minhas primeiras palavras são para saudar todas as Açorianas e Açorianos que, do Corvo até Santa Maria, se encontram irmanados pelos sentimentos de Partilha, da Esperança e da Solidariedade que o dia de hoje também simboliza.
Não foi, como todos sabemos, por acaso fortuito que a data escolhida para celebrar a nossa Região, os nossos Açores, coincide com a Segunda-feira do Espírito Santo.
Celebrar os Açores neste dia é celebrar, também, uma das âncoras da nossa Açorianidade, uma das celebrações que, a par da nossa condição de ilhéus, mais entretece os fios da nossa identidade, esteja onde estiver um Açoriano.
É por isso que celebrar o Dia dos Açores é também celebrar aqueles que levaram o nome dos Açores para outras paragens.
Lembrando os “azoreños” do Uruguai que, há 250 anos, povoaram San Carlos, ou os Açorianos que, há 60 anos, aportaram a Halifax, no Canadá, saúdo os nossos irmãos da Diáspora, dirigindo-lhes uma palavra de afeto e invocando a sua presença aqui nesta sessão, nesta manifestação de sentir Açoriano e de orgulho na nossa condição Povo ilhéu.
Aqueles que, por necessidade ou por opção, partiram para outras paragens têm também o seu lugar nesta celebração, na exaltação de um Povo que desbravou horizontes e rompeu fronteiras, e hoje está presente nas quatro partidas do Mundo.
Uma saudação especial também aos nossos homenageados, pelo Exemplo, pela Dedicação e pela manifestação que corporizam, pelos seus atos, do que honra e orgulha o Povo Açoriano.
A atribuição das Insígnias Honoríficas Açorianas que vos é feita não é apenas um ato de reconhecimento.
É também uma manifestação clara de que os Açorianos, através dos seus representantes, consideram que os vossos percursos, os vossos feitos, o vosso trabalho devem constituir motivos inspiradores de exemplo para os nossos concidadãos.
Bem hajam, pois, por trazerem mais intensidade ao orgulho que existe na palavra Açor.
Mais do que a celebração do ideal que cada um de nós dela tem, hoje celebramos a Autonomia real, aquela que nasce do compromisso entre os ideias e a realidade que os mesmos ambicionam moldar.
É, pois, uma Autonomia que quotidianamente se revigora e se impulsiona na medida da legítima ambição de cada um dos atores políticos, institucionais ou sociais de a transformar e de a fazer cumprir os objetivos que lhe estão inerentes.
Reconhecemos que é deste processo de diálogo, é da salutar tensão proponente entre as diversas perspetivas que cada um tem, que vamos avançando e progredindo.
É assim com este espírito que este dia, aquilo que ele representa e aquilo que nele celebramos, se torna pertença de todos os Açorianos e de nenhum em particular.
Neste dia maior para os nossos Açores interessa, é certo, vermos o caminho que já fizemos.
O caminho que fizemos como Povo e o caminho que fizemos como Região.
O muito que alcançámos e que conquistámos num trajeto quantas vezes marcado pela intensidade e pelos caprichos da Natureza, mas também pelas suspeitas, pelas incompreensões e pelo desconhecimento dos homens.
Mas hoje aqui estamos.
De pé, firmes e orgulhosos do que conseguimos ao longo dos tempos.
Contudo, tão ou mais importante do que olhar para o quanto já percorremos, interessa, talvez, perspetivar, com ambição, o caminho que queremos trilhar no futuro.
Estes são tempos desafiantes.
Vivemos numa Europa que parece ter perdido o rumo e que brinca, leviana e inconsciente, com fogos que, tão severamente, já a queimaram no passado.
Cada vez mais, assiste-se a um retrocesso que se manifesta no alimentar de divisões entre os países do Norte e do Sul, do Centro e da periferia.
Quotidianamente, presenciamos um discurso e a uma prática que parece remeter para segundo plano os valores europeus e humanistas que julgávamos inquestionáveis no século XXI, depois dos conflitos bélicos que marcaram o século XX.
O Estado Social, um dos maiores ativos da nova Europa, parece estar refém de uma construção discursiva ardilosa que o considera como um empecilho para os tecnocratas dos gabinetes europeus, um empecilho que é necessário resolver quanto antes para que os mercados – o alfa e o ómega desta Europa tecnocrata – possam continuar satisfeitos na sua constante insatisfação.
No meio deste turbilhão de injustiça, de indefinição e de prioridades falhadas, a nossa Região e a nossa Autonomia encontram-se face a um dos maiores desafios a vencer.
Condição essencial para que tal aconteça com sucesso, é uma ação ambiciosa e determinada que sirva os Açorianos e que os proteja, até ao limite das nossas competências e até ao limite dos nossos recursos, desse vendaval que também nos afeta.
Mas, mesmo aqui, interessa termos a lucidez para perceber que o funcionamento desse escudo protetor que queremos que seja a Autonomia não se compadece com a passividade, com o imobilismo ou com a inércia.
A solução não é, pois, a de pensarmos que a Autonomia equivale a uma muralha que nos isola do mundo cada vez mais globalizado em que vivemos e que, por isso, temos o direito de exigir dela as respostas que ignoram a envolvência nacional e internacional que nos condiciona.
Temos de fazer o nosso caminho de reformar o que pode ser melhorado, de corrigir o que pode ser aperfeiçoado e de mudar o que deve ser mudado.
A nossa Autonomia não legitima a inatividade perante a exigência de ação.
A nossa Autonomia não justifica que ignoremos uma realidade que se altera e que exige uma atuação conforme.
A nossa Autonomia deve, isso sim, constituir o instrumento para que sejamos nós a definir o tempo, o modo e os objetivos do que, a este propósito, tiver de ser feito.
A Autonomia está, aqui e mais um vez, não em isolarmo-nos do mundo que nos rodeia, mas sim em sermos capazes de tomar nas nossas mãos a construção das soluções que melhor nos servem enquanto Povo.
É assim no combate ao Desemprego que afeta muitas famílias Açorianas e que assumimos como uma prioridade política da nossa atuação.
É assim na nossa Economia e nas medidas que estamos a concretizar e que contribuem para o reforço da competitividade das nossas empresas.
É assim no nosso Serviço Regional de Saúde que queremos sustentável e a servir cada vez melhor os Açorianos.
É assim em tantas e tantas áreas da nossa vivência coletiva em que a nossa Autonomia não pode ser o pretexto para a cristalização de soluções, mas antes o impulso na garantia das melhores respostas aos desafios com que somos confrontados.
A Autonomia de que usufruímos, se é certo que só pode ser considerada como válida se for uma Autonomia de resultados para as Açorianas e Açorianos, não pode, também, correr o risco de ser reduzida a uma Autonomia do conforto material.
À medida que a fase de infraestruturação física vai-se concluindo, torna-se necessário também colocar no centro das nossas preocupações aquela que deve ser, já não apenas uma ação dirigida a garantir os benefícios materiais que o nosso modelo de governo proporcionou e proporciona, mas uma ação que concretize uma Autonomia qualificadora da nossa sociedade, qualificadora do nosso Povo e qualificadora da nossa Democracia.
É nessa linha estratégica que perspetiva o futuro da nossa Região e o futuro da nossa Autonomia, que se inserem preocupações relativas à capacidade de termos, cada vez mais, uma Educação que garanta a cada Açoriana e a cada Açoriano as ferramentas para a sua realização pessoal, social e profissional.
Este é um desafio a que a nossa Autonomia ainda não respondeu cabalmente, sobretudo nas vertentes do sucesso escolar e do combate ao abandono escolar precoce.
Mas este afigura-se como um desafio absolutamente vital para o sucesso, diria até, para a sobrevivência futura do nosso modelo de auto-governo.
É exatamente por esta importância estratégica que o mesmo deve convocar o empenho e o esforço de todos os atores da nossa sociedade.
Desenganem-se aqueles que pensam que esta é uma tarefa apenas do Governo.
Cabe a cada um de nós a valorização dessa componente qualificadora da nossa sociedade, pois a inexistência de uma esforço concertado, não apenas para criar as condições e os mecanismos para a satisfação dessa necessidade, mas também de valorizar aqueles que a prosseguem, dificulta, se não mesmo inviabiliza, o sucesso dessa aposta.
Relacionado com esta, existe também outra componente que se afigura como essencial para o nosso futuro coletivo e, em especial, para o futuro da nossa Autonomia.
Refiro-me ao exercício ativo e empenhado de uma cidadania exigente e esclarecida.
Cada vez menos a Autonomia depende apenas de formas institucionais de afirmação cívica e participação política.
Ela deve radicar, e progressivamente para aí caminhamos, na convicção individual dos seus méritos e das suas potencialidades.
E, para isso, torna-se necessário fomentar uma cidadania interventiva, esclarecida e empenhada.
Também aqui é fácil, demasiado fácil até, reconduzir apenas aos entes públicos a responsabilidade única de promover essa cidadania autonomista.
Todos somos responsáveis e todos seremos responsáveis pelo vigor e pela intensidade com que formos capazes de trazer para o campo da nossa acção quotidiana estas preocupações que influenciam diretamente a evolução e a sustentabilidade da nossa Autonomia.
A modernidade ainda não esgotou o seu ciclo histórico nas nossas ilhas.
Impõe-se a continuidade do debate do fim do século XIX, o resgate da inquietação vanguardista de sempre para novos caminhos e novas criações de liberdade e de política.
Caminhos a inaugurar pelas mulheres e homens Açorianos, pela jovens Açorianos, que, para se situarem no Mundo, reconhecem que a sua forma de pensar se inspira na diferença da sua insularidade como fator de enriquecimento e de dignificação do seu património e dos seus ideais de solidariedade de Autonomia.
Esta Autonomia que se quer sempre regional, esta Solidariedade que se conjuga com a palavra Açores, esta palavra-programa que, em particular nesta Segunda-feira da Pombinha, se inscreve na vivência social e, por isso, política destas ilhas dos nossos Avós, dos nossos Pais e dos nossos Filhos.
Esta urgência de uma Democracia em que, no exercício da respetiva soberania, os cidadãos, todos os cidadãos, desfrutam das condições adequadas para a realização dos ideais de Liberdade e de autorrealização.
Há um caminho que continua e o caminho das Açorianas e dos Açorianos não se suspende.
Os Açores não se interrompem.
Hoje, no nosso Dia, o que os Açores levam ao País, o que as naus que partem dos Açores, mais uma vez, levam a este País resgatado, são os valores da Liberdade, da Responsabilidade e da Solidariedade intergeracional.
Os valores de um Povo de pé, que se renova todos os dias a adiantar neste mar Atlântico a alma da Pátria.
O mapa a que os Açores pertencem e em que os Açores querem continuar a figurar é o mapa das ideias, do diálogo, da prosperidade que valoriza as oportunidades individuais, sem deixar de integrar a solidariedade entre gerações, entre povos, entre regiões.
Este é o mundo, o nosso mundo, que todos os dias construímos com denodo e orgulho, e que não queremos que outros decidam por nós, seja em Lisboa, em Bruxelas ou em Washington.
E, conscientes da responsabilidade da História que sobre nós impende e animados pela ambição de um melhor Futuro, não temos dúvidas em afirmar que lutar, lutar sempre pelo Respeito e pela Dignidade que nos é devida como Povo, é, talvez, a melhor homenagem que podemos fazer aos nossos Pais e aos nossos Avós e a melhor herança que podemos deixar aos nossos Filhos.
E, por isso, hoje, em parte alguma do Mundo onde esteja um Açoriano, em parte alguma destes Açores em que vivemos, não se deixe de gritar com Esperança e com Confiança, não se deixe de gritar com fé e com firmeza,
Viva os Açores!”
GaCS
Sem comentários:
Enviar um comentário