Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, no 18.º Fórum Europeu de Wachau, que decorreu na Áustria:
“Começo, naturalmente, por saudar todos os presentes, em especial os colegas de mesa, e por agradecer, quer o convite para estar hoje aqui convosco a partilhar algumas reflexões, quer a inigualável hospitalidade com que fui recebido.
Felicito também a organização pela escolha do tema global do Fórum deste ano, bem como desta sessão de trabalho, os quais se revestem de grande atualidade e importância, não só pela conjuntura que vivemos, mas sobretudo pelos desafios que o futuro coloca à nossa frente.
A realidade institucional dos Açores - arquipélago com nove ilhas, que se estende por 600 Km em pleno Atlântico Norte, a perto de 2.000 Km do continente europeu e a mais de 3.500 da América do Norte - e o processo de convergência dos Açores com os contextos nacional e europeu constituem um bom exemplo da imprescindibilidade da descentralização política e administrativa, bem como da solidariedade inter-regional, no quadro de uma governação responsável e eficaz.
Somos uma Região Autónoma da República Portuguesa, dotada de órgãos de governo próprio, um Parlamento e um Executivo, eleitos democraticamente, que exercem poderes e competências legislativas e administrativas próprias, numa opção estratégica de descentralização política.
No âmbito da União Europeia, os Açores integram o estatuto de Região Ultraperiférica, conforme estabelecido no artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
A integração dos Açores na União Europeia com o estatuto de Região Ultraperiférica constitui, deste modo, a par da Autonomia Político-Legislativa no contexto do Estado português, um dos pilares essenciais da realidade político-institucional da Região e a sua aplicação prática, igualmente, um exemplo da relevância dos princípios da solidariedade e subsidiariedade.
O conjunto de competências legislativas da Região em áreas como a agricultura, as pescas e a atividade económica em geral, o emprego, os transportes aéreos e marítimos, o ambiente, o mar ou a energia, entre outros, permitiram que, ao longo do tempo, no exercício da nossa Autonomia e com o contributo da solidariedade europeia trilhássemos um caminho que nos tem conduzido a uma convergência com as médias de desenvolvimento da União.
Em 1999, os Açores tinham um PIB per capita de 84% da média nacional e 68% da europeia, uma década depois atingiam os 94% da média nacional, passando a uma posição intermédia no contexto de Portugal, e os 76% da média europeia, aproximando-se da categoria das regiões “de transição” da União.
No atual contexto, devo salientar também o papel do poder regional açoriano na manutenção de finanças regionais equilibradas, o que nos diferencia, do ponto de vista dos resultados, da situação do restante País.
O nosso défice orçamental aferido em função do PIB está em 0,4% e a dívida púbica, determinada por igual critério, situa-se em 19%.
A isto soma-se o facto de, embora afetados também pelo drama do desemprego, termos uma das mais baixas taxas de desemprego do País.
Chegados aqui, como é que os Açores perspetivam o atual estado da Solidariedade e da Subsidiariedade a nível europeu?
Nos tempos que correm e na conjuntura que a Europa atravessa, julgo não ser despropositado dizer que estes dois valores – subsidiariedade e solidariedade – estão debaixo de enorme pressão política e, até, de pressão mediática e popular.
Na verdade, no momento em que tanto se apela a um discurso que coloca a ênfase na necessidade de cortar custos, de reestruturar componentes financeiras de instituições, de limitar as necessidades de recorrer ao crédito, em suma, num momento em que a prioridade absoluta é reduzir custos, redimensionar estruturas políticas e institucionais, não é, julgo eu, exagerado dizer que, na Europa, os valores da subsidiariedade e da solidariedade estão sob ataque.
Com esta envolvência, todo o processo de negociações do quadro financeiro plurianual 2014-2020 e o acordo que os 27 concluíram no Conselho Europeu de fevereiro representa uma evidência das divergências nacionais e, mesmo, da falta de solidariedade que está no cerne do atual momento.
Criaram-se divisões artificiais entre os Estados e as respetivas populações, entre países “periféricos” e “centrais”, entre países “do norte” e “do sul”, entre países “contribuintes” e “beneficiários”, como se o projeto europeu não fosse, antes de mais, uma União de Povos e um projeto comum que não se articula bem com esta visão de devedores ou credores.
Nunca como hoje, paira sobre a Europa a ameaça da desagregação social e do populismo político, que tendem a reforçar substancialmente a representatividade de forças políticas com discurso antieuropeu em diversos Estados-membros.
Neste contexto, as próximas eleições para o Parlamento Europeu, em 2014, constituem-se como um desafio para a Europa, bem como para a solidariedade e coesão.
Não se trata apenas do desafio da abstenção, que deve suscitar uma atenção permanente. Falamos sim da existência de um terreno perigosamente fértil para a propagação de um discurso alicerçado nos egoísmos nacionais, na falsa responsabilização e na atribuição de culpa às instituições europeias, o que levará, cada vez mais, ao afastamento e desilusão dos cidadãos em relação ao projeto europeu, com consequências imprevisíveis ao nível do processo decisório.
Mas talvez seja conveniente, antes de avançarmos um pouco mais nesta linha de raciocínio, explicitar e precisar conceitos e contextos.
Em primeiro lugar, julgo que nenhum de nós poderá discordar da necessidade de aperfeiçoar o funcionamento das instituições, sejam elas de que nível for, com o consequente aumento da eficácia e da eficiência da sua ação.
Eu também não discordo dessa necessidade, desde logo por aquilo que ela representa do ponto de vista de alcançar uma boa governança e de melhoria da eficiência da acção política e legitimidade das instituições.
A questão está, exactamente, em minha opinião, na forma como, nesse esforço, se conciliam outros interesses e outros valores, em especial aqueles que constituem o tema deste nosso grupo de trabalho.
A prioridade absoluta que tem sido dada a nível europeu a essa perspectiva austeritária pode ter como consequência o de ferirmos de morte o valor da solidariedade e o de aniquilarmos o valor da subsidiariedade.
Assim, julgo que um dos primeiros aspetos que importa ter em consideração na reflexão sobre a Europa que vá para além da crise é a necessidade de dar um maior destaque, uma maior importância e uma maior presença aos valores da solidariedade e da subsidiariedade.
Interessará, porventura aqui, clarificar o que, na nossa perspetiva, esta solidariedade deve significar.
Solidariedade não significa, nem pode significar, fazermos o trabalho de outros. Não pode significar uma obrigação de, face à ausência de vontade de trilhar um determinado caminho, assumirem outros aquelas que são as tarefas que competem aos próprios. Neste caso, já não falamos de solidariedade. Falamos de tutela.
A solidariedade que aqui julgo se torna necessário reforçar é aquela que reside em criarmos condições de ajuda e de facilitação do processo de, através da acção de outros, contribuirmos também para a realização de objetivos que são nossos e comuns.
É, no fundo, este, em minha opinião, o enquadramento que deve ser dado, ou melhor, que deve ser reforçado, na forma como se encara a solidariedade e o seu exercício.
A solidariedade europeia não deve, nem pode ser considerada, como um acto de benesse, de favor ou de caridade em relação aos outros países.
Ela é, sem sombra para qualquer dúvida, uma forma de mais fácil, ou mais rapidamente, se concretizarem os valores e os objetivos deste projeto que nos une a todos e a que chamamos Europa.
E aqui chegados, julgo que clara se torna a importância da União Europeia enquanto tal - cada uma das suas estruturas e cada um dos seus Estados Membros - colocarem a solidariedade no centro da estratégia para vencer os desafios presentes, como sejam o crescimento económico e a criação de emprego.
E é exactamente aqui, neste momento em que se abordam, já não os fundamentos ou as razões para o reforço da solidariedade europeia, mas sim as condições para que essa solidariedade produza os melhores efeitos possíveis, que somos conduzidos ao valor da subsidiariedade.
O Poder Regional implica, efetivamente, a incorporação no processo de decisão política das necessidades e soluções mais próximas dos cidadãos, com maior coerência e eficácia na partilha de responsabilidades, bem como qualidade dos serviços e resultados das políticas.
Não temos dúvidas, por isso, que os órgãos de Poder Regional contribuem de forma decisiva para reduzir as disparidades económicas e sociais entre as regiões da Europa e para promover a respetiva coesão e solidariedade.
Dito de outra forma, não temos qualquer dúvida em afirmar que a subsidiariedade é um instrumento que pode potenciar, em muito, os efeitos da solidariedade.
No entanto, como bem sabemos, a turbulência financeira e económica que se vive teve também consequências negativas para o processo de consolidação da descentralização e da subsidiariedade no âmbito do Poder Regional na Europa.
Infelizmente, não é rara a afirmação - desprovida de fundamento - de que a conduta dos níveis infranacionais, regiões e autarquias, é um dos fatores determinantes que impedem o cumprimento dos objetivos orçamentais dos Estados-membros.
Tal argumentação leva a que a crise e as medidas de austeridade em toda a Europa sirvam de pretexto para que alguns Estados-membros procedam a reformas no sentido de uma maior centralização das competências, de cortes no financiamento público das entidades infranacionais ou, então, de uma descentralização sem os recursos financeiros necessários.
Do mesmo modo, assistimos, em diversos Estados-membros, à redução, fusão ou supressão de estruturas infranacionais, sejam elas regiões, municípios ou freguesias.
A superação do atual momento na Europa apenas poderá realizar-se através de uma atuação forte dos Poderes Regionais, apoiada - e porque não incentivada e promovida? -, pela União Europeia, na certeza de que a sua proximidade com as populações, as características territoriais e as necessidades da economia das Regiões são o melhor argumento para relevância da sua atuação e sustentabilidade das suas políticas.
Gostaria de concluir reforçando esta ideia, segundo a qual a construção da Europa não pode ser feita sem ter em conta, ou sem ter em conta de maneira mais incisiva, a importância das Regiões ou a importância da subsidiariedade como condição de eficácia e da sustentabilidade política deste projeto.
E esta percepção, estou convicto disso, é fundamental para que a Europa possa vencer um dos grandes desafios que tem à sua frente: Falo da imprescindível conjugação de esforços no sentido de intensificar a luta contra o desemprego dos jovens.
Numa Europa envelhecida e desagregada socialmente, este é, sem dúvida, um dos problemas de cuja resposta depende, de forma decisiva, a continuidade do nosso sonho europeu.
A resposta ao desemprego e, em particular, o desemprego jovem, requer um urgente esforço político conjunto e coordenado numa perspetiva multinível, não prescindindo também de uma afetação de fundos adequada e de uma sua gestão de proximidade, nomeadamente pelo Poder Regional.
Para responder a este desafio, existem dois instrumentos que são essenciais: a solidariedade e a subsidiariedade.
Na verdade, as Regiões – em especial aquelas, como os Açores, dotadas de Autonomia - são as responsáveis pela aplicação das políticas de Futuro. As políticas relativas ao emprego, à educação e à formação, bem como no incentivo, em geral, à atividade económica.
Por isso, a mensagem que os Açores hoje aqui trazem é uma mensagem de ação, ação conjugada no combate ao desemprego, ação integrada de combate ao desemprego jovem, e uma mensagem de alerta, um alerta de que não podemos prescindir das medidas adequadas a nível europeu, nacional e, principalmente, regional, no pleno exercício do princípio da subsidiariedade e da solidariedade para o desenvolvimento, para o progresso dos povos e para o sucesso do projeto Europeu".
GaCS
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