Texto integral da intervenção do Vice-Presidente do Governo Regional, Sérgio Ávila, proferida hoje, em Lisboa, no seminário Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento Entre UE-EUA:
“Começo, naturalmente, por agradecer o convite para participar, em nome do Governo dos Açores, neste importante evento e por saudar os meus colegas de painel e, em particular, os promotores desta iniciativa pela pertinência do tempo em que ela se realiza e pela feliz junção de interlocutores do mundo académico e empresarial, com a necessária interação de representantes das instituições europeias e dos governos Regional e da República.
Na verdade, é por todos conhecida a ligação estreita e duradoura entre os Açores e os Estados Unidos da América.
A Geografia, a História e as relações humanas fizeram dos Açores a encruzilhada atlântica do eixo euro-americano, papel que não cessaram de desempenhar – sobretudo nas vertentes política e de defesa – ancorado na forte presença da comunidade açoriana naquele país, num relacionamento institucional e político de primeira importância e ainda na presença física de um relevante contingente militar e civil dos Estados Unidos na Base das Lajes.
A esse papel, que se insere naturalmente e valoriza a relação bilateral global mantida entre Portugal e os EUA, acresce também a importante posição que o mercado dos EUA desempenha para os produtos e para as empresas dos Açores.
Os dados mais recentes mostram que as exportações açorianas para o mercado norte-americano representam cinco por cento do total de todas as exportações do arquipélago, graças, essencialmente, à boa aceitação naquele mercado dos lacticínios dos Açores.
Todavia, importa reconhecer que esse é um valor que fica ainda muito aquém das potencialidades dos produtos açorianos e, sobretudo, aquém das possibilidades decorrentes de um mercado de grande dimensão, diversidade e relevância económica como é o dos Estados Unidos.
Na verdade, é o ‘mercado da saudade’ e da Diáspora açoriana o principal impulsionador das trocas comerciais entre a Região e os nossos parceiros norte-americanos. Mas as razões estruturais que justificam a ainda fraca penetração de produtos açorianos no mercado dos EUA são também as mesmas que justificam e estão no cerne das negociações em curso tendo em vista o estabelecimento de uma Parceria de Comércio e Investimento.
São razões que se prendem com diferenças regulamentares e fitossanitárias, barreiras e custos alfandegários acrescidos, certificação e reconhecimento regulamentar e que, se são, por si mesmos, relevantes em termos de acrescento de custos para o conjunto das empresas portuguesas ou europeias, no caso de uma pequena economia – como a dos Açores – e dos seus pequenos produtores são desproporcionais e impeditivas de condições de entrada ou concorrência naquele mercado.
Refira-se o exemplo das conservas de peixe, cujas tarifas para produtos provenientes da União Europeia atingem os 20% (ou mesmo os 35% para o atum), ou o exemplo dos lacticínios e derivados que, para além de necessitarem frequentemente de um tipo de certificação dos critérios de higiene e segurança alimentar superior ou diferente da União Europeia – o que representa uma duplicação de custos para as empresas regionais – podem, em certos casos, atingir tarifas aduaneiras que podem chegar aos 139%.
É por isso que o Governo dos Açores acompanha, com grande interesse e expetativa, as negociações em curso tendentes ao estabelecimento uma Parceria de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América.
Ambicionamos que essas negociações possam produzir um acordo de larga abrangência que facilite e intensifique as trocas comerciais e de serviços entre a Europa e a América e, em particular, entre Portugal e os Estados Unidos.
O facto de estas negociações terem arrancado com base num forte compromisso político entre as duas partes, assente na declaração conjunta, de 13 de fevereiro de 2013, subscrita pelos Presidentes norte-americano, da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, não é despiciendo. E, pese embora não possa este servir como garante de sucesso final, atribui-lhe a sustentação política que faltava para a prossecução afincada e minuciosa das negociações.
Se a essa dimensão política aliarmos os estudos de impacto já efetuados e que apontam claramente um sentido prospetivo positivo para a economia transatlântica e mundial, resultante de uma conclusão efetiva dessas negociações, teremos reunido os fatores essenciais para que esse seja um momento de expetativa realista, também da parte do Governo dos Açores, em função do contributo que pode dar para a valorização dos nossos produtos, diversificação das exportações e criação de emprego.
É conhecido o estudo realizado pelo Ifo Institut e publicado pela Fundação Bertelsmann, denominado “Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) - Who benefits from a free trade deal?” que refere, para o caso português e se o acordo resultar numa "profunda liberalização" da relação comercial entre os dois países, um impacto eventual de menos 0,76 pontos percentuais da taxa de desemprego e a possível criação de 42 mil e 500 postos de trabalho em Portugal.
Não ignoramos as dúvidas ainda existentes quanto ao grau exato desse potencial impacto e a sua muito provável diferenciação em função dos estados membros e, dentro destes, entre regiões.
Mas, do ponto de vista do Governo dos Açores, este é um processo que deve ser acompanhado com um grande grau de interação e cumplicidade entre as autoridades regionais e nacionais e, sobretudo, com um envolvimento acrescido dos parceiros sociais e dos agentes económicos, quer na propositura dos interesses ofensivos de Portugal neste domínio, quer na identificação das áreas que devem merecer salvaguarda.
Da nossa parte, mantemos a total disponibilidade para colaborar ativamente com o Governo da República neste domínio, salvaguardando a necessária defesa da especificidade do caso dos Açores, e internamente despoletámos também já os mecanismos de auscultação e participação ativa dos parceiros sociais e dos agentes económicos para garantir um forte entrosamento entre as posições expressas por nós e aqueles que são os seus interesses específicos.
São, assim, e do nosso ponto de vista, condições centrais para o sucesso final deste processo, em primeiro lugar, uma dimensão de grande aproximação e reciprocidade entre os dois blocos nas questões regulatórias e de certificação e nas barreiras tarifárias e não tarifárias.
Não se tratará, seguramente, de uma desregulação global desses padrões, mas antes de uma forte harmonização entre as realidades existentes nos dois lados, sem a qual não será possível despoletar todo o potencial do comércio e investimento na grande bacia do Atlântico.
Sem esta significativa alteração aos padrões regulatórios nos EUA não conseguiremos assegurar uma participação em pleno naquele mercado das empresas portuguesas e, por maioria de razão, das açorianas, em particular aquelas que operam num setor tão vital para a nossa economia como a agropecuária e as pescas.
Em segundo lugar, no que concerne à Propriedade Intelectual, e em particular nestes dois setores, é fundamental a proteção dos fatores diferenciadores e valorizadores dos produtos nacionais e reconhecidos a nível comunitário, como sejam a Denominação de Origem Protegida (DOP), Denominação de Origem Controlada (DOC) e Indicação Geográfica Protegida (IGP), salvaguardando assim a utilização das menções tradicionais regionais e garantindo a autenticidade dos produtos açorianos exportados.
O não reconhecimento destes ‘rótulos’ afetará severamente a capacidade dos agentes económicos açorianos e de outros, em todo o país, de fazerem valer os seus produtos num mercado que prima pela diferenciação.
Por outro lado, outro setor a incluir como relevante para Portugal é o dos transportes aéreos, atendendo fundamentalmente ao facto de estas ligações aéreas serem essenciais, quer para a manutenção de uma ligação regular e continuada com a Diáspora açoriana nos EUA, quer para a promoção e manutenção de fluxos turísticos.
Uma flexibilização das obrigações existentes no mercado americano permitirá um ainda maior grau de interligação entre as companhias aéreas europeias e americanas a operar naquele mercado, mas também nas rotas transatlânticas e no mercado europeu, abrindo novas oportunidades económicas e de sinergias entre companhias.
Do mesmo modo, e no que se refere aos serviços de transporte marítimo e de cabotagem, o Governo dos Açores defende uma liberalização da relação entre os dois pontos do Atlântico, a qual poderá, claramente, alavancar a cabotagem insular por via do impulso das exportações e do incremento dos fluxos.
Neste contexto, reforça-se a centralidade e pertinência da localização privilegiada dos Açores entre as duas margens do Atlântico Norte e mesmo com o Atlântico Sul.
A dimensão e o previsível impacto desta parceria sobre os fluxos comerciais mundiais terão de estar associados à mais-valia que representa a localização privilegiada do arquipélago, encontrando aqui enquadramento e sustentação a possibilidade de prestação de serviços, de qualidade e de interesse mútuo, associados à entrada e à saída de mercadorias no espaço europeu, como ‘posto avançado’ da União Europeia, como de resto preconiza a própria Comissão nos diversos documentos de política relativos às Regiões Ultraperiféricas.
E, por último, a manutenção de um acordo dinâmico, que não se esgote em si mesmo e que permita a progressiva eliminação de obstáculos não-pautais e a convergência regulatória transatlântica para além do momento, desejável, da assinatura formal deste eventual Tratado.
Não somos falsos idealistas e não esperamos que as intricadas negociações que ainda se avizinham se possam resolver de forma célere ou que o impacto possível desta Parceria possa resolver todas as necessidades de crescimento com que a economia portuguesa se depara atualmente, fruto das políticas em curso, em particular no que diz respeito à geração de emprego e riqueza.
Mas esta é, sem dúvida, uma oportunidade histórica para o reforço das relações políticas e institucionais entre as duas maiores economias do mundo e que trará seguramente uma nova janela de oportunidade para a economia portuguesa no seu todo e para os Açores em particular.
Devemos, portanto, prosseguir com otimismo moderado e com realismo as nossas propostas em prol da obtenção de um acordo global que valorize o papel geostratégico dos Açores no contexto nacional e na nossa relação conjunta com os EUA e na União Europeia, que proteja os nossos setores charneira e premeie o dinamismo e capacidade de inovação e crescimento das nossas empresas.
São estes, no fundo, os grandes pilares que nortearão a nossa ação conjunta com o Governo da República neste dossiê.
Obrigado.”
GaCS
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