terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Intervenção do Presidente do Governo

Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, em Ponta Delgada, na apresentação do Programa Leite de Vacas Felizes, promovido pela  BEL Portugal:

“Começo por agradecer à BEL Portugal, na pessoa da sua Diretora Geral, Eng.ª Ana Cláudia Sá, o amável convite para presidir ao lançamento do novo Programa Leite de Vacas Felizes, mais uma iniciativa deste grupo empresarial multinacional que, há já largos anos, tem presença na nossa Região, mais concretamente na ilha de S. Miguel.

Foi com muito gosto que aceitei este convite e gostaria de partilhar convosco as razões pelas quais o fiz.

Em primeiro lugar, porque este – o setor leiteiro -, é um dos setores de referência da economia regional, contribuindo, de forma decisiva, para a dimensão da nossa capacidade exportadora.

Bastará referir, a este propósito, que, com apenas cerca de 3% do território do País, os Açores são responsáveis por mais de 30% do total da produção de leite de Portugal.

Em segundo lugar, aceitei o convite pelo facto de iniciativas como esta serem sempre bem-vindas, por aquilo que significam de empreendedorismo, de inovação, de qualificação dos nossos produtos e de vontade de vencer.

Com esta iniciativa, a BEL Portugal dá um bom testemunho desses valores e fazemos votos para que os mesmos se repliquem noutros domínios e noutras áreas.

Em terceiro, porque o programa que hoje é tornado público, sendo especificamente dirigido ao setor do leite, acaba por ter, mesmo que indiretamente, um impacto valorizador dos Açores, como região que corresponde às preocupações políticas e metas europeias com o bem-estar animal e o ambiente, através de uma produção que, não só não agride a paisagem, como a constrói e promove como imagem de marca de uma Região sustentável.

E se, em circunstâncias normais, esses seriam já motivos suficientes e bastantes para que aqui estivesse presente, o tempo em que vivemos reforça a oportunidade deste momento e a mensagem que o mesmo transmite.

O ano que estamos a iniciar coloca grandes desafios a toda a fileira do leite nos Açores e na Europa.

2015 será marcado pelo início de um novo Quadro Comunitário de Apoio, com todas as possibilidades de investimento que lhe estão inerentes, pela entrada em vigor, em toda a sua plenitude, da nova Política Agrícola Comum e, ainda, pelo desmantelamento do regime de quotas leiteiras no espaço comunitário, com a consequente liberalização que lhe está associada.

Com a consciência nítida que o fim das quotas leiteiras resultará em desafios significativos, é necessário que todos encaremos este novo cenário, não como uma inevitabilidade sem resposta possível, mas sim como uma oportunidade para vingarmos num mercado com novos contornos.

Um mercado mais desregulado, é certo, mas também cada vez mais consciente de que não é tudo igual nas prateleiras das superfícies comerciais e cada vez mais exigente quanto a matérias como a qualidade, a segurança alimentar e a sustentabilidade de modos de produção.

O Governo dos Açores mantém, e mantém-se, na luta face a uma decisão da União Europeia que, tal como está, não tem em conta a situação de economias como as das Regiões Ultraperiféricas e, em particular, de regiões como os Açores.

Desde logo, ao nível da própria União e da definição dos mecanismos e políticas que têm impacto direto na nossa Região.

Estamos confiantes na nossa capacidade de ultrapassar os desafios enquanto Região, mas sempre com a consciência plena que existe muito trabalho, por todos os envolvidos, a desenvolver no sentido de assegurar os interesses do setor e dos Açores, em geral.

Assim, tal como no âmbito do processo de consulta pública promovido pela Comissão Europeia sobre o Regime POSEI, em que o Governo dos Açores e, por sua iniciativa, a Conferência de Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, reiteraram as suas preocupações, defendendo medidas de compensação adicionais, vamos manter essa posição reivindicativa junto das instâncias comunitárias.

Esta é, aliás, uma importante matéria que o Governo dos Açores quer ver inscrita na agenda de trabalhos da XX Conferência dos Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, que decorrerá nos próximos dias 5 e 6 de fevereiro, na região francesa da Guadalupe.

Defendemos, nesse âmbito, que o programa POSEI deverá consagrar um envelope financeiro complementar para o setor leiteiro das Regiões Ultraperiféricas, tendo em vista a compensação do impacto da liberalização e considerando que grandes países produtores, ao contrário de Portugal – face aos efeitos do embargo da Federação Russa – têm capacidade para criar mecanismos de compensação para os efeitos da descida do preço do leite aos produtores.

Está em causa a capacidade produtiva de todo um setor económico, mas também a capacidade de autoabastecimento, o futuro do acesso a uma alimentação saudável e sustentável do ponto de vista ambiental, bem como o desenvolvimento harmonioso das Regiões e Estados Europeus.

Os centros de decisão da Europa não podem ignorar estes valores e desígnios, alguns dos quais inerentes à própria génese de uma Europa das Regiões, que nunca poderá ser construída com imposições do centro para a periferia.

Mas o trabalho que desenvolvemos, e que vamos continuar a desenvolver nesta matéria, não se esgota nessa componente externa.

Também internamente, no âmbito das políticas definidas e postas em prática pelo Governo dos Açores, o cenário de desmantelamento do regime de quotas leiteiras, naquilo que implica de reforço da competitividade deste setor, tem vindo a ser trabalhado e aturadamente preparado.

Um trabalho desenvolvido por todos os agentes do setor, desde a produção à indústria, que souberam utilizar de modo eficiente os recursos e mecanismos que a Região alocou ao setor ao longo dos últimos anos.

Entre 2007 e 2013, os investimentos efetuados na modernização das explorações agropecuárias açorianas representaram cerca de 80 milhões de euros.

Verificou-se um ajustamento do número de produtores e o aumento significativo da quantidade média produzida por exploração: a produção média anual por exploração está, atualmente, em quase 200 mil litros, quando, apenas há quatro anos, era de cerca de 150 mil.

O setor rejuvenesceu e apoiámos o interesse dos jovens em investirem, através dos apoios à instalação de jovens agricultores, que ultrapassou as expetativas iniciais, com cerca de 200 projetos aprovados.

Também fruto dessa opção, o facto é que os jovens que se dedicam à agricultura nos Açores têm uma média etária de 42 anos, ou seja, 10 anos mais jovem do que a média de Portugal Continental.

Canalizámos, ainda, um significativo volume de fundos comunitários que permitiu gerar um investimento superior a 90 milhões de euros na modernização do nosso setor agroindustrial.

A indústria de transformação de laticínios dispõe assim, no geral, de estruturas modernas e aptas a dar resposta ao aumento da capacidade produtiva do setor e às exigentes condições dos mercados.

Este foi um trabalho que não descurou a componente da infraestruturação agrícola, através da disponibilização às explorações de energia, de água e de acessos, mas que o Governo dos Açores quer continuar a desenvolver, porque tem a consciência que, nesta matéria, ainda é necessário trabalhar mais.

Nesse sentido, inscrevemos na Carta Regional das Obras Públicas investimentos para esta legislatura num montante superior a 30 milhões de euros, que vão contribuir para uma maior qualidade e para reforçar a competitividade das explorações, por via da redução de custos de produção.

Apostamos ainda na formação profissional, como área prioritária e fundamental para o desenvolvimento do setor.

Nesse sentido, foi colocado à disposição dos agricultores açorianos um conjunto de ações que contribuíram para a sua valorização profissional, nomeadamente ao nível da formação sobre a aplicação de produtos fitofarmacêuticos, formação base para jovens agricultores ou bovinicultura de leite, para citar alguns exemplos.

E, em 2015, estão previstas quase quatro mil horas de formação a mais de mil agricultores dos Açores.

Conscientes do que enfrentamos, decidimos, também, nas propostas de arquitetura dos novos programas POSEI e PRORURAL+, introduzir medidas de apoio e incentivo ajustadas aos desafios do nosso tempo.

Apoios que se dirigem à modernização das estruturas de produção e transformação agropecuária, à reestruturação e ordenamento fundiário, à criação de sistemas de rotulagem para identificar a origem dos produtos colocados no mercado, à conservação e valorização dos sistemas de produção com alto valor natural, à proteção do ambiente, entre outros.

Com o objetivo de afirmar os valores e a qualidade dos Açores, dentro e fora da Região, será aprovada já esta semana, no Conselho de Governo que terá lugar na ilha do Faial, a estratégia de operacionalização, a identidade visual e a assinatura da marca única e transversal a toda a produção regional – a Marca Açores –, que se pretende vir a constituir uma insígnia global de referência, tendo em vista induzir valor acrescentado aos bens e serviços açorianos, aumentando deste modo a sua competitividade nos mercados em que estão disponíveis.

Porém, todo este trabalho só será eficaz se se fizer a alteração decisiva nesta fileira, olhando para a nossa dimensão num mercado aberto e perceber que só se conseguirá ganhar terreno se os nossos produtos forem diferentes do que fazem os outros.

De pouco nos servirá investir milhões de euros públicos e privados e, depois, fazer um produto que é também feito, indiferenciadamente, por países mais perto dos mercados e com dimensões muito superiores.

Também aqui o segredo do sucesso dos Açores está na Qualidade e não na Quantidade.

Mas interessa, igualmente, que se tenha consciência que estes desafios não podem ser vencidos sem ser num ambiente de forte parceria, diria até, cumplicidade, entre a produção, a transformação e a comercialização.

Não há outro caminho! A evolução que o setor teve conduz a que, de forma particularmente notória, a sua força esteja assente nestes três pilares. Se falhar um, o setor não avança.

E este clima de parceria, de cooperação, é tão mais importante quanto a complexidade dos tempos que vivemos e a tensão que os mesmos colocam na relação entre essas três componentes. 

Todos nós conhecemos os desafios que cada um enfrenta: a produção conhece, e bem, o comportamento dos mercados internacionais de laticínios, e também conhece quais as opções da transformação de produtos de mais ou de menos valor que a indústria segue e as consequências que isto traz; a transformação também conhece a qualidade e os cuidados de maneio animal que a produção tem.

Estamos convictos, por isso, que são do passado posturas que, desde logo, no setor dos laticínios, pretendem sacrificar muitos para que poucos se salvem. Que parecem esquecer as redes de interdependência que existem e que obrigam a um cuidado acrescido, sobretudo face aos desafios que vivemos.

E isto é válido aqui em S. Miguel, na Terceira ou em qualquer ilha da nossa Região.

A sustentabilidade do modo de produção açoriano e, portanto, uma das suas grandes mais-valias, não pode estar dissociada da responsabilidade e sustentabilidade social de todo o setor e do comportamento de cada um dos seus protagonistas.

Serve isto para dar nota deste entendimento do Governo da necessidade de serem sempre reforçados os canais de entendimento e de parceria entre todos os intervenientes no setor.

O tempo é, pois, de conjugar esforços, de delinear estratégias conjuntas, de mostrar a nossa melhor resiliência, para que os desafios que enfrentarmos sejam ultrapassados em benefício de todos, desde a produção, passando pela transformação, até à comercialização.

Esta iniciativa prova bem que esta união de esforços é o caminho correto a seguir e, por isso, faço votos de sucesso para esta iniciativa da BEL Portugal, que está a aproveitar o melhor leite do mundo: o leite dos Açores!

Muito obrigado!”



GaCS

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