O presidente do Governo Regional dos Açores acusou o Tribunal Constitucional de "fazer o jogo" do Presidente da República a propósito da sua decisão de declarar inconstitucionais vários preceitos do Estatuto da região.
"Como é que o Tribunal Constitucional decide a cronómetro, e logo segundo o cronómetro do Presidente da República?", questionou Carlos César em declarações ao Expresso. O facto é tanto mais estranho quanto este órgão "leva sempre mais de dois anos a decidir as fiscalizações sucessivas (da inconstitucionalidade das leis)". No caso do acórdão de 5ª-feira - acusa - isto não aconteceu, "foi a pedido, para ser antes das férias".
"Já estou habituado a ter notícias do professor Cavaco Silva nas férias", disse ainda o presidente do governo regional. "Faço parte das pessoas deste país, nas quais não se conta o professor Cavaco Silva, que lutaram pela autonomia e que levaram pancada da Frente de Libertação dos Açores (FLA). A minha história permite-me falar à vontade", acrescentou.
Carlos César é ainda mais contundente quando diz que no caso deste acórdão, "a política falou mais alto, no Tribunal Constitucional o jurídico é quase uma formalidade". Segundo César, é "revelador" que, segundo afirma, tenha havido "fugas de informação": "isto nunca se viu antes neste Tribunal, ao contrário do que acontece na Polícia Judiciária e no Ministério Público".
Carlos César não se manifestou, todavia, surpreendido pelo acórdão que, entre outras decisões, declarou inconstitucionais as normas que o Presidente da República tinha considerado "absurdas" e lesivas do "superior interesse nacional". No caso, as que diziam respeito à obrigatoriedade do chefe de Estado ouvir os órgãos do governo regional em caso de dissolução da Assembleia Legislativa regional, e a restrição de competências dos deputados nacionais quanto à revisão do Estatuto.Para o líder socialista, "toda a gente conhecia o desfecho deste caso, o TC nunca decide a favor das autonomias". Quanto a ele, diz, não ganhou "um único voto por causa disto". Não se confessa derrotado, mas decidido "a partir para outra".
Quanto aos onze preceitos considerados inconstitucionais, César comentou expressamente o que dizia respeito às relações externas (direito a uma política própria): "É uma decisão um bocado estúpida e uma tolice, porque tem uma reserva mental que não se aplica à realidade".
Segundo o líder socialista, a região tem dezenas de acordos com entidades estrangeiras. "O que vão fazer?", pergunta. "Pôr-se no avião atrás de nós sempre que formos assinar um acordo?"
No texto do acórdão não se coloca em causa esse direito, mas tão-só que se possa inferir da actual redacção que a região tenha "direito a uma política própria". O preceito expurgou a parte relativa à prossecução dessa política "de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa", tal como diz a Constituição.
O Presidente da República só ontem assumiu posição pública sobre o assunto, congratulando-se com a decisão e considerando como "importante que tenha prevalecido o superior interesse nacional". Não deixou no entanto de sublinhar que deve ser matéria de reflexão que, "até agora, mais de uma dezena e meia de normas do Estatuto tenham sido declaradas inconstitucionais, uma lei que tinha sido aprovada por larga maioria quer no Parlamento açoriano (unanimidade), quer na Assembleia da República".
O acórdão, recorde-se, declarou também inconstitucionais as normas relativas à obrigatoriedade (mas não uso) da bandeira regional nos órgãos de soberania. Deu assim razão, a posteriori, aos chefes militares, que se recusaram a hasteá-la nos quartéis, numa tomada de posição que ficou conhecida como "a segunda guerra das bandeiras".
A possibilidade de criação da figura de um provedor regional foi também "vetada" pelo Tribunal. A questão havia sido suscitada pelo provedor de Justiça, num primeiro pedido de fiscalização sucessiva, logo a 10 de Fevereiro. A 12, deu entrada um outro da autoria de um grupo de deputados (que reclama apenas do preceito 114º, sobre a dissolução da Assembleia) e, a 29 de Abril, um terceiro, também do provedor. São estes três pedidos que o TC analisa agora, num período de tempo considerado "exemplar" por uma fonte do Tribunal. "Tem-se feito um esforço para que a fiscalização sucessiva não exceda os 3-6 meses", sublinhou.
Curiosamente, apenas três questões mereceram a unanimidade dos 13 juízes que compõem o Tribunal Constitucional: as relativas à política externa, à dissolução da Assembleia da República e ao fim do processo de "audição qualificada". Todas as outras tiveram votos vencidos.
PS propõe mais autonomia para as regiões
O capítulo do Programa Eleitoral do PS destinado às Regiões Autónomas propõe "aprofundar a autonomia". Escrito antes de se conhecer o chumbo do Tribunal Constitucional, o texto realça, logo à cabeça, "a revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores (...) que não deixará de se repercutir positivamente no caso da Madeira em processo idêntico futuro".
O PS compromete-se depois a garantir "o cumprimento e a avaliação da lei de Finanças regionais", mas admitindo desenvolver "as condições concretas" para que seja o Estado a financiar os "projectos de interesse comum" às ilhas e ao continente. Fica ainda estabelecido no caderno de encargos eleitoral socialista a "requalificação dos serviços do Estado" nos arquipélagos, e a "consolidação e desenvolvimento do modelo constitucional de autonomia". Promete-se, nomeadamente, assegurar o "pluralismo da representação na mesa da Assembleia Legislativa" e zelar pela aplicação da lei das incompatibilidades a detentores de cargos públicos.C.F.
Cronologfia de uma morte anunciada
2008, JunhoA Assembleia da República aprova a primeira versão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, por unanimidade, tal como acontecera anteriormente na Assembleia Legislativa Regional
2008, 31 de JulhoO Presidente da República fala ao país para criticar o Estatuto, já depois do Tribunal Constitucional ter apontado oito inconstitucionalidades
2008, 19 de DezembroO Parlamento confirma pela terceira vez o Estatuto (apesar de não ser por maioria de dois terços - todos os partidos a favor com a abstenção do PSD), que havia sido vetado dois meses antes
2008, 29 de DezembroCavaco promulga o Estatuto, alertando "que é perigoso aceitar precedentes de imposição de restrições" a órgãos de soberania
2009, 30 de JulhoTribunal Constitucional declara inconstitucionais 11 preceitos do Estatuto, entre eles o que impunha obrigações ao PR e limitava direitos à Assembleia da República
Fonte: Expresso







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