domingo, 12 de dezembro de 2010

Intervenção do Secretário Regional da Presidência



Texto integral da intervenção do Secretário Regional da Presidência, André Bradford, proferida hoje, em Angra do Heroísmo, no lançamento do livro Açores, Europa - Uma Antologia, da autoria de Onésimo Teotónio de Almeida, no âmbito da programação oficial "Açores - Região Europeia do Ano 2010”:

“Permitam-me que comece a minha intervenção nesta feliz circunstância por destacar a acção daqueles que, em estreita colaboração com o Governo Regional, permitiram que a ideia de editarmos uma colectânea de textos sobre o relacionamento entre os Açores e a Europa se viesse a materializar na obra que hoje lançamos.

Saúdo, pois, o Professor Onésimo Almeida pela qualidade do trabalho desenvolvido e pela entrega e empenho que, como é seu apanágio, colocou na organização desta antologia.

A tarefa que lhe propusemos – e que, sinteticamente, se resumia à recolha e organização dos textos mais emblemáticos e que melhor espelhassem o sentir e pensar europeu dos Açorianos, em diversas épocas e em vários domínios – podendo parecer acessível para um homem que tem da cultura açoriana um conhecimento tão vasto, acarretava inevitavelmente o risco do pioneirismo e a dificuldade da escolha.

Se é verdade que a Europa e os Açores são duas realidades geográfica e culturalmente indissociáveis na vivência e no pensamento dos açorianos ao longo dos séculos, forjando-se a nossa identidade enquanto povo também nessa dialéctica, não o é menos que esse facto não tem sido devidamente valorizado ou, pelo menos, não tem merecido a atenção específica e o esforço cientificamente fundamentado que se justificariam.

Felicito-o também porque a Antologia que hoje apresentamos não é uma mera “colagem” de textos e de pensamentos de outros. O coordenador empresta à obra, quer na sua organização, quer no processo de recolha e selecção de textos, o seu cunho de açoriano viajante e residente fora dos Açores, vendo estas ilhas e o Continente Europeu da outra margem do Atlântico – e essa é também uma metáfora importante para a relação dos Açores com o Velho Continente, porque não podemos deixar de nos considerar europeus do Atlântico, entreposto entre o Velho e o Novo mundos, síntese histórico-geográfica entre as referências da tradição judaico-cristã e as esperanças das novas liberdades.

Transmito, por outro lado, também uma palavra de agradecimento ao Instituto Açoriano de Cultura, responsável pela edição da obra e seu grande entusiasta, por uma vez mais se constituir como entidade liderante, na Região e fora dela, na preservação e divulgação da cultura dos Açores. A sua pronta resposta ao desafio lançado pelo Governo dos Açores para coordenar a produção desta obra é reveladora do dinamismo da sua acção e da forma dedicada como cumpre a sua nobre missão.

Estou certo que esta Antologia fará agora o seu caminho enquanto obra de referência que está destinada a ser. A celebração da distinção dos Açores, no âmbito do Conselho da Europa, como Região Europeia do Ano de 2010 foi a razão de ser conjuntural desta iniciativa, mas ela encontra a sua justificação principal e maior no imperativo perene do nosso auto-conhecimento enquanto realidade territorial e cultural singular.

A história tem-nos demonstrado ciclicamente que é também nosso dever impreterível criar condições para que os outros nos conheçam e compreendam ou para que, pelo menos, reconheçam a particularidade desta parcela de Portugal, porque a Europa fica mais longe, porque a América fica mais perto, e, sobretudo, porque essa nossa condição geoestratégica sempre foi mais objecto de usufruto do que de genuíno reconhecimento.

Foram inúmeras as vezes em que os Açores se entrecruzaram na feitura da História maior de Portugal e da Europa e sempre com um contributo específico e qualificado. A nossa posição geográfica é, na leitura desses acontecimentos, não factor de periferia, mas muito pelo contrário, elemento de centralidade e de disputa.

Em todas estas épocas e em todos estes acontecimentos, os Açorianos souberam não apenas emprestar o contributo da sua força mas também a força das suas convicções, participando na defesa de causas maiores que a sua exiguidade territorial ou que a sua dimensão populacional.

Fomos porto de abrigo para viajantes e marinheiros intercontinentais, último reduto da defesa da Portugalidade, posto avançado do liberalismo e local privilegiado no contexto geoestratégico internacional para a defesa dos ideais democráticos face às pretensões totalitárias de outros.

O nosso mar foi, e será cada vez mais, palco privilegiado para a condução de pesquisa científica avançada e será por intermédio da Região que, muito provavelmente, o País verá aumentada a sua Plataforma Continental, num processo invulgar a nível mundial.

Contribuímos para a implantação das telecomunicações a nível global ligando, nos séculos XIX e XX, a Europa e os EUA através de cabo submarino e hoje somos local de eleição para a implantação de estações internacionais de pesquisa e geo-referenciação, transmitindo informação exclusiva para todo o mundo.

Nas I e II guerras mundiais, fomos ponte entre aliados das duas costas do atlântico, e hoje, esta ilha em particular, mas também as centenas de milhar de açorianos dispersos pelas comunidades emigradas nos Estados Unidos, continuam a fazer prosperar este desígnio comum que nos une aos americanos como europeus do Atlântico.

Nas letras e na cultura, esta Antologia retrata de forma ainda mais visível a relação umbilical entre a Europa e os Açores.

Antero, Nemésio, Canto da Maia, Arruda Furtado ou Natália Correia, entre muitos outros, partilharam, nas suas áreas específicas de criação, as influências das correntes culturais europeias da época.

Mas mais do que meros espectadores, foram eles próprios agentes vanguardistas de certas tendências, inculcando nelas a riqueza de uma visão própria, emanada das tradições simples das ilhas em diálogo com tudo o que as cercava.

Para todos o isolamento era factor de criatividade, a viagem alento para a inspiração e o regresso, ainda que muitas vezes apenas imaginário, consolo para a alma artística.

Todos eles foram maiores que os Açores, projectando-nos para fora das fronteiras físicas destas ilhas. Mas foram-no também porque nenhum deles, tendo daqui saído, alguma vez renegou ser primeiro açoriano e depois tudo o resto. E esse é o património da açorianidade na Europa, ontem como hoje.

Valorizar o que os Açores têm de único, reconhecer o seu contributo na construção da história, saber que é possível progredir e ser-se excepcional à nossa medida e em cada área, fazendo-o nestas ilhas, é esse o legado da história destes açorianos e da sua relação com a Europa.

E foi também esse património que o Governo procurou evidenciar e valorizar ao longo deste ano, através da programação associada à atribuição do galardão de “Região Europeia do Ano de 2010”.

Colocámos os Açores no centro da Europa e promovemos a Europa como elemento de reflexão nos Açores.

Por intermédio deste galardão, foi possível reforçar a visibilidade da Região a nível europeu, com diversas iniciativas político–institucionais de relevo, desde logo junto do Presidente da Comissão Europeia, mas também em parceria com as restantes regiões ultraperiféricas ou no quadro das entidades de cooperação interregional de que fazemos parte.

Recordámos a obra e a vida de Canto da Maia na principal praça de Bruxelas, através de uma exposição de duas semanas, que já antes havia estado em Lisboa e Madrid, e apoiámos mostras de produtos regionais no Parlamento Europeu, evidenciando a qualidade das nossas produções junto de decisores e mercados importantes.

Na Região, por outro lado, e sob o lema “Açores: Onde a Europa chega mais longe”, foram organizadas mais de 40 manifestações culturais, envolvendo áreas como a pintura, a gastronomia, a fotografia, o cinema, o teatro ou a música, e países como Alemanha, Estónia, Dinamarca, Suécia, Reino Unido ou Polónia, procurando trazer aos açorianos um pouco da riqueza que constitui a diversidade europeia.

Privilegiámos ainda a reflexão, a troca de ideias e o debate sobre as mais diversas temáticas europeias – desde o mar aos instrumentos financeiros, da investigação e inovação à cultura – chamando os diversos actores regionais, com particular incidência para os jovens, para a problematização do seu papel na Europa de hoje.

A “Região Europeia do Ano” que fomos permitiu ajudar a aprofundar o conhecimento dos Açores na Europa mostrando, para além das nossas fronteiras, o nosso percurso de desenvolvimento e de convergência com a União Europeia, bem como as nossas vantagens e conquistas em sectores tão diversos como o ambiente, a cultura, a ciência, o património ou o turismo, constituindo-se esta também uma oportunidade única para promover e consolidar os valores europeus nesta região ultraperiférica e atlântica.

Estou seguro que o sucesso desta programação não se esgota aqui e que, pelo contrário, se fará sentir nos próximos anos, quer pelo reforço do conhecimento que outros, com responsabilidades e capacidade de decisão, têm agora da realidade actual dos Açores, quer pela adesão dos nossos jovens ao projecto comunitário. É esse agora o desafio a prosseguir.

Os Açores estão hoje, mais do que nunca, ligados à realidade Europeia, de uma forma muito concreta, quotidiana e indissociável do nosso processo de desenvolvimento.

As consequências dessa ligação fazem-se sentir na moldura legislativa da nossa vivência conjunta, nos sistemas de apoios, públicos e privados, que são concedidos, ou nas infra-estruturas que modernizam o nosso território e o nosso tecido económico e social, estando também presente, de forma muito evidente, na mobilidade de pessoas, bens e serviços.

Este contributo da União Europeia mais não é do que a materialização das condições indispensáveis à igualdade num espaço de solidariedade entre pares, mas que nem por isso deve ser tido por inevitável ou imutável.

Contudo, há uma outra face desta relação que não pode ser minorada ou esquecida. Vista por boa parte dos cidadãos como um processo político e burocrático que lhes é estranho e sobre o qual não têm capacidade de influência, a Europa comunitária enreda-se nos seus intrincados procedimentos, muitas vezes refém de interesses nacionais e incapaz de gerar o alento e a adesão de que carece para reassumir o papel de projecto civilizacional que Schumman e os seus pares sonharam.

O reforço institucional dos papéis da Comissão e do Parlamento Europeu, consagrado no Tratado de Lisboa e que foi por muitos considerado como elemento fundamental para fazer avançar a União após anos de impasse, continua a ser frequentemente minado por declarações ou actos de responsáveis políticos dos Estados Membros, que se sobrepõem inclusivamente a outros Estados Membros.

A União perderá a sua alma e o ímpeto de projecto transformador se não conseguir congregar os esforços dos 27 na procura da soluções para o seu crescimento conjunto e solidário, para as questões que se colocam aos seus cidadãos e para a sua afirmação no palco internacional.

As condições adversas por que passam muitos dos Estados Membros devem, portanto, servir como elemento aglutinador de vontades e de reforço do projecto europeu, assente estruturalmente no seu património cultural e humanista. O isolamento de nada servirá para fazer progredir o ideal comunitário. Num contexto geral difícil e exigente, a solidariedade e a união continuam a ser os melhores instrumentos para fazer face às adversidades.

Nemésio descreveu os açorianos como “(…) soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra.”, acrescentando que “A geografia, para nós, vale outro tanto como a história (…).”, para concluir que “Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra.”.

Essa dupla essência, que reforça a condicionante geográfica da nossa existência sem deixar que ela apague a moldagem que a história fez do nosso carácter, é a razão de termos sido sempre agentes da globalização e promotores convictos da cooperação.

É por isso que a obra que hoje lançamos é não só um objecto literário de inegável interesse, mas é também uma relevante manifestação de açorianidade, que prolongará, no tempo e no pensamento, os efeitos positivos de termos merecido um dia a designação de Região Europeia do Ano.
Muito obrigado pela vossa atenção.”


GaCS/CT

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