quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Intervenção do Secretário Regional da Educação, Ciência e Cultura

Texto integral da intervenção do Secretário Regional da Educação, Ciência e Cultura, Luiz Fagundes Duarte, proferida hoje, em Angra do Heroísmo, na sessão de encerramento do seminário O Presente das Crianças…O Futuro da Sociedade:

“Não precisamos ir mais longe do que à Antiguidade Clássica para encontrarmos afirmações e perguntas como “o fundamento de qualquer Estado é a educação da sua juventude” (Diógenes) ou “que maior ou melhor coisa poderemos oferecer à República, do que ensinar e instruir a juventude?” (Cícero).

E, no entanto, em matéria de educação, quase toda a história de Portugal se desenrolou à revelia de tais entendimentos – tendo como resultado o atraso educativo face aos padrões europeus que todos nós conhecemos e que agora, todos os dias, nos entram, como uma afronta, pela porta dentro.

Mas, afinal, de que falamos quando falamos da educação dos jovens em Portugal e nos Açores na segunda década do século XXI? – Falamos, com certeza, do muito que nas últimas décadas se investigou, se escreveu, se discutiu, se legislou sobre políticas educativas – incluindo também, espero que para proveito e exemplo de todos nós, os muitos desvarios legislativos que têm sido cometidos e cujos resultados, se repararmos nas elevadas taxas de abandono e insucesso escolares, estão à vista.

Estamos, porém, a tempo e em condições de ultrapassar os desvarios e de acertar a máquina. Começando, é claro, por definir o que é que se pretende com a educação dos jovens – numa feliz continuação do entendimento daquilo que já Diógenes achava que devia ser a educação – a base do Estado – e daquilo que Cícero achava que seria o melhor contributo dos governantes para a coisa pública: a educação e a instrução da juventude.

E falamos da Educação enquanto primeiro fator de desenvolvimento e de modernidade. Por isso, a aprendizagem dos alunos deve estar no centro das políticas educativas e as escolas devem ser a sua sede: cada escola é um projecto pedagógico, em diálogo permanente com a comunidade em que se insere, e tem por missão fundamental preparar os jovens para a vida.

Ao contrário da tendência centralizadora que, desde quase sempre, tem sido apanágio do nosso sistema educativo, teremos que avançar cada vez mais para a descentralização, a autonomia e a flexibilidade das escolas: é necessária uma descentralização de competências, no sentido de adequar o projecto educativo de cada escola às características do meio em que se insere.

O Governo dos Açores não pode nem deve alhear-se de todo o tipo de iniciativas que tenham por objectivo reflectir sobre os problemas da Educação e eu gostaria de me ocupar brevemente dos problemas da Educação Especial – tanto na perspetiva das crianças e jovens, seus beneficiários, como na perspetiva dos docentes e demais técnicos do setor, agentes e actores insubstituíveis do desígnio nacional que é a inclusão no sistema educativo de todos aqueles que, pelas mais variadas razões, dele são facilmente excluídos.

Pois bem, todos nós – professores, mas também psicólogos e técnicos especializados diferenciados – temos por missão e por obrigação não só assumir a nossa condição de elos numa cadeia de transmissão de conhecimentos e de valores, mas também a nossa condição de responsáveis operacionais pela preparação das novas gerações para a vida e para uma sociedade, que todos desejamos, de mulheres e homens livres e críticos. Mas também temos por obrigação, mais do que saber ensinar e formar, saber ouvir aqueles que, a cada momento da nossa atividade profissional, são o nosso objecto e o nosso objetivo.

Em setembro de 2007, no quadro da presidência portuguesa da União Europeia, o Ministério da Educação organizou, em cooperação com a Agência Europeia para o Desenvolvimento em Necessidades Especiais de Educação, uma audição parlamentar subordinada ao tema “Jovens Vozes: ao encontro da Diversidade na Educação” (‘Young Voices: Meeting Diversity in Education’). Dessa audição emergiu a chamada “Declaração de Lisboa – Pontos de vista dos jovens sobre Educação Inclusiva”, onde consta um conjunto de propostas apresentadas por jovens de 29 países, com necessidades especiais de educação, que frequentavam os ensinos secundário, profissional e superior. Não resisto a respigar, dessa declaração, alguns pontos que me parecem importantes e que todos nós nunca deveríamos esquecer:

Em matéria de consciência dos seus direitos, estes jovens acordaram em princípios como:

Temos o direito de ser respeitados e de não ser discriminados. Não queremos caridade; queremos ser respeitados como futuros adultos que têm de viver e trabalhar num ambiente normal.

Temos direito às mesmas oportunidades que os outros, mas com o apoio necessário para responder às nossas necessidades. As necessidades específicas de cada um não podem ser ignoradas.

Temos o direito de tomar as nossas decisões e de fazer as nossas escolhas. A nossa voz deve ser ouvida.

Temos o direito de viver autonomamente. Queremos constituir família e ter uma casa adaptada às nossas necessidades. Muitos de nós querem ter a possibilidade de frequentar a Universidade.

Queremos também poder trabalhar e não ser separados das outras pessoas que não têm incapacidades.

Toda a sociedade tem de ter consciência e compreender e respeitar os nossos direitos.

Mas, no que diz respeito ao entendimento crítico que faziam do sistema educativo em que se integram, estes jovens entenderam deixar bem claro que:
  
Em geral, temos recebido um apoio satisfatório à nossa educação, mas é necessário que se verifiquem mais progressos.

A acessibilidade aos edifícios está a melhorar. As questões da mobilidade e da acessibilidade arquitetónica constituem, cada vez mais, tópicos de discussão e de debate.

As questões relativas à deficiência estão a ganhar maior visibilidade na sociedade.

A tecnologia informática está a evoluir e passaram a estar disponíveis livros digitais bem estruturados.

Curiosamente, estes jovens não adiantam qualquer palavra acerca da qualidade dos seus professores, em matéria de formação e de preparação para tão difícil tarefa…

Este seminário, estou certo disso, dará um contributo importante para um melhor conhecimento do que se passa entre nós, também, em matéria de necessidades especiais de educação, e sobretudo do pensamento que os que nele vêm participar têm sobre estas matérias.

Para não falar dos problemas que existem a nível da formação dos docentes, bem como das condições de trabalho e de carreira em que exercem a profissão.

Não basta, no entanto, escolarizar-se as crianças e os jovens, se os pais mantiverem níveis baixos de escolaridade. Necessitamos, por isso, de um sistema educativo que possibilite o desenvolvimento dos projectos educativos, que permita a inclusão de todos os cidadãos no sistema, que favoreça a qualidade, que potencialize o diálogo entre o sistema educativo e a sociedade na sua globalidade – em vez de um sistema que impõe o atrofiamento dos projetos inovadores (como tantas vezes e em tantos casos tem acontecido), que incentiva a exclusão dos cidadãos do sistema, que permite o sacrifício da qualidade e que desenha para as escolas um perfil de “instituições autistas” relativamente ao meio em que se inserem.

Em contrapartida, queremos uma escola que nos prepare e garanta o futuro. E isso, por agora, está nas nossas mãos: nas mãos daqueles que frequentaram e receberam como herança uma escola baseada na máquina centralizadora e desfasada do tempo e do terreno, e que cada vez mais – obrigatória e rapidamente – tem que se basear no aluno. E isso não é novidade: os Gregos e os Romanos já o sabiam. A dois milénios de distância, é tempo de o pormos em prática em Portugal.

E, nesta matéria, a sociedade será chamada, cada vez mais, a ter uma palavra definitiva, na sequência do conceito que tem vindo a ser aplicado a diversas iniciativas no contexto da educação internacional e que foi adiantado por Stuart Grauer em 1989: “pensar globalmente, agir localmente”.

A educação do futuro passa, obrigatoriamente, por estes caminhos. E eu estou convencido de que os trabalhos deste seminário não deixarão de trazer novos contributos para uma nunca por demais repetida reflexão sobre o que pretendemos para as nossas escolas do século XXI – contributos esses que serão muito bem-vindos pela Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura.”



GaCS

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