sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Declaração do presidente do Governo sobre a Reforma da Política Comum de Pescas


Texto integral da declaração do presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, proferida hoje, em Ponta Delgada, em conferência de imprensa:

“O Governo dos Açores apresentou à Comissão Europeia, a 30 de Dezembro de 2009, um trabalho intitulado “Contributo Açoriano para a Reforma da Política Comum das Pescas”.

Os Açores estão, assim, uma vez mais, presentes num debate lançado pela Comissão Europeia. Neste caso um debate suscitado a 21 de Abril de 2009, aquando da adopção do Livro Verde sobre o futuro da política comum das pescas da União Europeia.

O Livro Verde proporcionou, desse modo, uma vasta consulta pública sobre o caminho que as pescas europeias devem seguir, em que todos – os Governos, os partidos políticos, os empresários, os pescadores, os cientistas e toda a sociedade civil – foram convidados a participar sobre o futuro das pescas europeias. Esta consulta é o primeiro passo de um processo no qual a Região irá continuar a intervir, devendo conduzir a uma reforma da política comum das pescas que nós desejamos que garanta a continuidade de uma vertente importante de sustentação económica e de emprego para a população açoriana.

Com o Contributo Açoriano para a Reforma da Política Comum das Pescas quisemos indicar um rumo que garanta um sector das pescas com viabilidade a longo prazo, e que também assegure a estabilidade económica e social das comunidades piscatórias das diferentes regiões europeias, em particular as da nossa Região. Em conjunto com as demais regiões ultraperiféricas – em cujo contributo comum sobre esta matéria o Governo dos Açores esteve especialmente empenhado – pretendemos que a União Europeia introduza na reforma da política comum das pescas a situação particular das regiões ultraperiféricas, de forma a serem estabelecidas medidas específicas e concretas de apoio à sustentabilidade do sector para o período posterior a 2013, e que sirvam de pilar e de guia estratégico para o seu desenvolvimento futuro.

O “Contributo dos Açores” resultou de um debate alargado, que o Governo Regional lançou no último semestre de 2009, no âmbito das reuniões efectuadas no Conselho Regional das Pescas, no grupo insular do Conselho Consultivo das Águas Ocidentais do Sul e com a Comissão Europeia, procurando encontrar o melhor caminho, dentro de um quadro comunitário, para a defesa do nosso sector das pescas.

Como o potencial pesqueiro do mar dos Açores é frágil e de grande importância para a auto-sustentabilidade regional, é indispensável que a política comum de pescas promova a racionalidade da sua exploração, por forma a garantir a preservação a médio e longo prazo deste nosso património marinho. É também fundamental que na política comum de pescas se faça uma abordagem ao sector pesqueiro que tenha em conta os níveis biológico, ecológico, económico e social, de maneira a que exista sempre um compromisso entre a situação dos recursos existentes nas diferentes zonas marítimas e a defesa do tecido sócio-económico das comunidades costeiras, como as dos Açores, que dependem da pesca de proximidade para garantir o emprego e a sua prosperidade.

Com a entrada em funcionamento do regulamento relativo à gestão do esforço de pesca em zonas e recursos de pesca comunitários, conhecido como o Regulamento das Águas Ocidentais, a zona de protecção da frota regional dos Açores foi reduzida, das 200 para as 100 milhas. Opusemo-nos vigorosamente a essa decisão, que ocorreu contra o próprio princípio da precaução tão apregoado na União Europeia; uma situação, aliás, que, como se esperava, originou um aumento de esforço de pesca nesta zona marítima e que não está em concordância com os princípios de sustentabilidade defendidos no próprio regulamento base da política comum de pescas. Por isso, achamos absolutamente prioritário, nesta reforma, que volte a ser criada uma zona marítima de protecção permanente de 200 milhas nos Açores que proporcione uma discriminação positiva de acesso aos recursos pesqueiros às nossas comunidades piscatórias.

O Governo dos Açores considera que o princípio da gestão das pescarias por territórios marinhos diferenciados, de acordo com as suas características, é o princípio correcto, a nível europeu para que o sector tenha viabilidade a longo prazo nas diversas regiões europeias, num quadro de igualdade de oportunidades e de justiça social para muitas comunidades que dependem exclusivamente dos recursos piscatórios de proximidade para a sua subsistência. Na nossa opinião, só a solução de gestão por territórios marinhos pode conduzir a um ajustamento, correcto e harmonioso, na dimensão da frota comunitária, de acordo com as capacidades de pesca das diferentes zonas marítimas da União Europeia.

Só garantiremos a sustentabilidade dos mares europeus e do mar dos Açores com um plano de exploração das águas comunitárias assente num regime de acesso que impeça as embarcações com maior capacidade e autonomia de circularem em diversas zonas marítimas comunitárias, por já não terem rentabilidade nos seus próprios territórios marítimos, nas águas internacionais ou nos países terceiros.

No sentido de alcançar uma efectiva e eficaz descentralização da gestão das pescas a nível europeu, consideramos também fundamental criar organismos regionais com poder decisório em matéria de gestão, compostos por representantes do poder político e administrativo regional, representantes do sector e da nossa comunidade científica. Pretendemos que, para participar na gestão das pescas nas zonas económicas exclusivas das regiões ultraperiféricas, seja constituído um Conselho Consultivo Regional abrangendo o conjunto das regiões ultraperiféricas e integrando três subdivisões: a Subdivisão da Macaronésia (Açores, Madeira e Canárias); a Subdivisão Antilhas/América do Sul (Guadalupe, Martinica e Guiana Francesa) e a Subdivisão do Índico (ilha da Reunião).

No que respeita aos direitos de pesca, consideramos que os recursos biológicos marinhos são um património público que deve ser usufruído principalmente pelas comunidades costeiras de proximidade. As nossas comunidades piscatórias foram as que, ao longo dos séculos, exploraram os recursos marinhos desta zona do Atlântico através de actividades sustentáveis e de pequena escala que constituíram um meio de vida de várias gerações familiares ligadas ao mar e que são parte da nossa própria identidade cultural.

Importa, fundamentalmente, evitar que possibilidades de pesca no território marítimo de regiões como a dos Açores possam ser atribuídas a outras frotas, em detrimento dos nossos pescadores. É essencial, também, que o conceito da estabilidade relativa evolua e seja ajustado a cada zona marinha de cada região ultraperiférica, de forma a manter os direitos de pesca que garantam a continuidade das nossas comunidades dedicadas ao sector. Assim, a repartição das possibilidades de pesca – sob o princípio da estabilidade relativa num determinado território geográfico, com base nos históricos de pesca das comunidades piscatórias nessa mesma zona marítima – é fundamental para manter o acesso dos pescadores açorianos na nossa ZEE.

A introdução de quotas individualmente transmissíveis conduzirá, inevitavelmente, à privatização e mercantilização das possibilidades de pesca e à sua concentração em empresas e embarcações de maior dimensão, situação que não é compatível com a manutenção da pesca das regiões ultraperiféricas e, em especial, a da pesca açoriana. Só quem defenda os interesses da grande pesca é que pode defender quotas individualmente transmissíveis e a retirada dos direitos históricos de captura pela pequena pesca em cada território marinho.

A reforma da política comum de pescas deve preocupar-se, igualmente, em integrar o debate sobre a reforma da organização comum do mercado, no que respeita aos produtos da pesca, pois não é possível garantir a sustentabilidade dos recursos e das comunidades sem garantir um sistema de comercialização justo que remunere melhor os pescadores e traga uma garantia de qualidade aos consumidores.

Para garantir a sustentabilidade dos recursos consideramos também fundamental que a União Europeia crie programas específicos para aprofundar as parcerias entre os órgãos regionais de gestão e os organismos locais de investigação marinha, de forma a melhorar o conhecimento científico do mar e a gestão das pescarias nas diferentes regiões marinhas, como a ZEE dos Açores.

O processo de recuperação da nossa Zona Económica Exclusiva, que colocámos nos Tribunais Europeus por falta de cumprimento das regras que estão definidas na própria política comum de pescas, tem também constituído, por si só, ao longo destes anos, um instrumento de influência junto da União Europeia para conseguirmos encontrar mais mecanismos de protecção do nosso património pesqueiro.

A reabertura deste dossier da política comum de pescas é uma oportunidade para que consigamos introduzir ajustamentos que são necessários na gestão das pescarias comunitárias e que, concomitantemente, melhor defendem os interesses dos Açores. É para esse objectivo que estamos a trabalhar, desenvolvendo uma intensa actividade de persuasão e de mobilização junto de todos os que podem ajudar, influir e decidir.”


GaCS/CT

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