Texto integral da intervenção do Subsecretário Regional dos Assuntos Europeus e Cooperação Externa, Rodrigo Oliveira, proferida ontem, na cidade do Mindelo, em Cabo Verde, na Cimeira da Macaronésia:
“Permitam-me, em primeiro lugar e em nome do Presidente do Governo dos Açores, Carlos César, que deixe uma calorosa e fraterna saudação a todos os presentes.
Cabe-me também, nestas palavras iniciais, transmitir ao Senhor Primeiro-Ministro da República de Cabo Verde, nosso anfitrião, uma palavra de reconhecimento pelo excelente acolhimento que nos tem sido proporcionado e, principalmente, pelo empenhamento que tem demonstrado, não só em relação ao reforço da cooperação entre os quatro arquipélagos da Macaronésia, como, também, das relações bilaterais entre Cabo Verde e as três regiões ultraperiféricas e atlânticas da União Europeia.
Neste contexto, não posso deixar de salientar, aqui, o desenvolvimento que assistimos, nos anos mais recentes, das relações entre a Região Autónoma dos Açores e a República de Cabo Verde, designadamente, através da assinatura, em 2007, em Ponta Delgada, de um primeiro “Memorando de Entendimento”, mas principalmente, pela adopção, na cidade da Praia, em 2008, do “Documento-Quadro para a Cooperação entre os Açores e Cabo Verde”, um marco no processo de aproximação entre os nossos dois arquipélagos e, também, precursor dos trabalhos de hoje.
Com efeito, no Protocolo relativo à criação do “Observatório da Cooperação” entre os Açores e Cabo Verde, os dois Governos reafirmam solenemente – e passo a citar - “o interesse no estreitamento e aprofundamento das relações entre todos os arquipélagos da Macaronésia, bem como na criação de um mecanismo comum de acompanhamento da cooperação nessa área regional”.
É, por isso, na sequência deste compromisso político - mas, acima de tudo, com a consciência da importância e significado profundo deste momento - que os Açores e o seu Governo se associam, com grande satisfação, a este encontro histórico: a primeira Cimeira dos Arquipélagos da Macaronésia.
A origem do termo Macaronésia decorre, como bem sabemos, das lendas da Antiguidade Clássica sobre as míticas ilhas a oeste de Gibraltar – Ilhas Abençoadas, Afortunadas – mas foi um açoriano, o historiador e humanista Gaspar Frutuoso que, em finais do Século XVI, na sua obra monumental intitulada “Saudades da Terra”, nos legou um primeiro e importantíssimo repositório da História, dos usos e costumes, da fauna, flora e geografia dos quatro arquipélagos atlânticos, revelando, também, a inegável importância geoestratégica e económica que cedo revestiram no espaço atlântico europeu e que hoje ainda mantêm.
Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde contituiram, com efeito, desde o seu descobrimento, os pilares atlânticos da primeira globalização, operada pelos Reinos Ibéricos, como bases de protecção contra corsários e de abastecimento de embarcações de partida – ou à chegada – do Novo Mundo.
E, na verdade, ao longo dos séculos, o progresso das comunicações e das tecnologias não retirou protagonismo, antes acentuou em diversas e novas dimensões, a importância deste corredor marítimo transatlântico : da navegação à vela à propulsão a vapor, passando pela aviação civil e militar, sem esquecer a amarração de cabos submarinos e, hoje, as tecnologias espaciais.
Mas, para além de uma posição geográfica de assinalável relevância, os arquipélagos da Macaronésia assumiram rapidamente – relata-nos Gaspar Frutuoso - uma produção agrícola e importância económica fundamentais para os Estados Ibéricos e para todo o espaço europeu: as nossas ilhas, para além de afortunadas e de portos de abrigo, foram, também, as ilhas dos cereais, do pastel e plantas tintureiras, do açúcar e do vinho, do algodão e do linho, produções que se sucederam e complementaram entre si, ultrapassando as contingências da sua geografia, diríamos hoje, ultraperiférica.
Agora, como então, as ilhas atlânticas procuram tirar partido das suas condições naturais, no desenvolvimento do sector do turismo, na promoção de uma agricultura e agro-pecuária de qualidade e especializada nas áreas em que têm maior vocação ou, ainda, na regulamentação cuidada de uma pesca tradicional e precaucionária.
Por outro lado, as ilhas - de natureza, por vezes exuberante, que os primeiros povoadores enfrentaram e que, depois, se tornaram laboratórios por excelência da experimentação e observação da ciência moderna - são, também hoje, repositórios únicos de biodiversidade e espaços políticos autónomos, empenhados em políticas de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, promovendo fortemente a utilização dos recursos endógenos, por exemplo, na utilização de fontes renováveis de energia ou, ainda, na investigação e descoberta de novas tecnologias.
A inserção e vocação atlântica dos arquipélagos lega-nos, também, a relação fundamental e instríneca com o Mar, no qual buscamos, hoje, novas ideias para a sua utilização adequada e concertada e em todas as vertentes, seja na exploração sustentável de recursos, seja na investigação dos fundos marinhos, seja na gestão de inovadoras responsabilidades de jurisdição e das actividades económicas.
Mas estas ilhas, no século XV como agora, são também territórios insulares vulneráveis e de pequena dimensão, regiões arquipelágicas de grande dispersão, plataformas sísmicas, de natureza vulcânica, de clima e relevo adversos, dificultando a competitividade, impedindo economias de escala, fragmentando mercados.
Acima de tudo, a História, consubstanciada numa existência de mais de 5 séculos em circunstâncias e contexto por vezes tão difíceis, moldou o carácter lutador e empreendedor dos povos dos Açores, da Madeira, das Canárias e de Cabo Verde e, acima de tudo, forjou o apego e o imenso orgulho em sermos insulares atlânticos.
São estes, assim, em largas pinceladas, os traços de uma geografia semelhante e de proximidade, de uma História que se entrecruza e que deixou marcas que, perdurando até ao presente, se revelam agora na afectividade entre os povos e num conjuntos de interesses comuns.
Pretendemos, hoje, contribuir para a identificação de potencialidades e a partilha de conhecimento, para que constituam os alicerces de um futuro, não só de maior proximidade, mas acima de tudo de aproveitamento de sinergias para progresso e bem-estar dos arquipélagos da Macaronésia.
O grande desafio que é colocado à criação desta Cimeira dos Arquipélagos da Macaronésia, não consiste, por isso, na solene proclamação que aqui fazemos da importância do reforço da cooperação neste espaço, mas sim, partindo contexto actual das relações políticas – nomeadamente, no que toca à integração nos blocos alargados, europeu e africano - encontrarmos as vias e mecanismos para o aprofundamento destas intenções, para a criação de um espaço eficaz de concertação política e a obtenção de resultados.
Renovamos, assim, a importância da nossa inserção atlântica e natureza isolada de arquipélagos distantes, mas num mundo globalizado, não é certamente a geografia nem a localização, mas sim a interacção entre os mais diversos agentes – Estados, Regiões, Municípios, Universidades, empresas e privados - que se revela mais importante na afirmação e desenvolvimento da Macaronésia.
Açores, Madeira e Canárias são hoje regiões autónomas e agentes transatlânticos de afirmação de Portugal e de Espanha – e o mesmo será dizer, da União Europeia - constituindo o seu envolvimento e relacionamento com outros territórios, um elemento de crescente importância na cada vez maior complexidade das relações e diplomacia internacionais.
Os quatro arquipélagos da Macaronésia, distantes dos centros de maior dinâmica económica, gerindo os sobrecustos e as dificuldades da sua dispersão e isolamento, mas conscientes das potencialidades e determinados na construção de um futuro melhor, vêem, assim, na partilha de experiências, na identificação de interesses comuns e no planeamento de posições e acções em parceria, uma dimensão essencial da dinâmica do seu desenvolvimento económico e empresarial, na protecção ambiental e desenvolvimento sustentado, na investigação e novas tecnologias e, acima de tudo, para o desenvolvimento do nosso maior valor: o capital humano e cultural, as gentes da Macaronésia.
Com a realização e instituição da Cimeira dos Arquipélagos da Macaronésia, retomamos hoje a História e consagramos a amizade, através de uma comunhão política de vontades.
O Mar da Macaronésia, este imenso corredor atlântico, é o condomínio em que se alicerça a nossa vizinhança e que representa todo um “Atlântico” de oportunidades... para os Açores, a Madeira, as Canárias e Cabo Verde, para Portugal e Espanha, para a Europa, África e América, do norte e do sul.
É tempo, pois, de trabalharmos, com entusiasmo, para consagrarmos a vocação e inspiração idílica da Macaronésia: a de "Ilhas Afortunadas...”
GaCS/GSsRAECE
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