sábado, 19 de novembro de 2011

Intervenção do Presidente do Governo na inauguração da Casa Museu Manuel de Arriaga



Texto integral da intervenção do Presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, proferida hoje, no Faial, na cerimónia de inauguração da Casa Museu Manuel de Arriaga:


“Fazendo jus ao ditado popular – “os últimos são os primeiros” – encerramos hoje, conforme foi nosso compromisso, as comemorações nos Açores do I Centenário da República Portuguesa, justamente na casa daquele que foi o primeiro presidente do novo regime, Manuel de Arriaga.


Legamos, assim, para o vindouro, esta evocação do homem e dos ideais e valores subjacentes à República, cumprindo, no nosso tempo, a nossa obrigação.


Devolvemos à cidade da Horta, ao Faial e aos Açores, a memória requalificada e vivificada deste lugar – de um imóvel originário do séc. XVIII, classificado de Interesse Público, também conhecido como a Quinta do Arco, que foi a residência permanente da família de Manuel de Arriaga e onde a ilustre figura faialense viveu a sua juventude até partir para Coimbra em 1861.


Ultrapassando o conceito da tradicional da “casa museu”, este projecto – que representa um investimento de mais de dois milhões de euros – foi desenvolvido não só para se constituir como um centro evocativo da personalidade de Arriaga como também para uma abordagem informativa, pedagógica e problematizada de aspectos relevantes da História e da estruturação da democracia e da cidadania na contemporaneidade.


Do programa deste novo equipamento cultural, coordenado pela Direcção Regional de Cultura e pelo Museu da Horta, com projecto museográfico do designer Rui Filipe e da Arquitecta Cláudia Zimerman, destacam-se os espaços para a exposição de longa duração e projecção de filme, para exposições temporárias, consulta de documentação digitalizada e biblioteca e sala polivalente. Proximamente, este equipamento irá dispor de conteúdos de texto também em língua inglesa e em versão Braille, bem como em versão áudio, ficando deste modo ao alcance de um maior número de visitantes.


No futuro será igualmente recuperada a totalidade do reduto verde desta propriedade, composto pelo pomar e horta, que não foi agora integrado na obra face à morosidade do processo de aquisição dos terrenos à Diocese de Angra.

Esta é a oportunidade adequada para agradecer a todos os que contribuíram para a concretização deste projecto. Saúdo, igualmente, todos os que nos estimularam nesta diligência e, de modo especial, os que nos ajudaram através da cedência de peças, desde Maria Isabel de Athayde e Arriaga de Tavares da Cunha Cabral, ao Arqtº José Manuel Corrêa Guedes, ao Museu Santos Rocha, do Município da Figueira da Foz, e à Drª Teresa de Arriaga, neta de Manuel de Arriaga, que teve a gentileza de oferecer um quadro a óleo a esta instituição. Aproveito também para agradecer ao Professor António Reis, que, uma vez mais, aceitou proferir uma conferência sobre o tema “Manuel de Arriaga: um intelectual político entre o sonho e a realidade” – que terá lugar hoje, pelas 21 horas, no auditório da Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça.


Manuel de Arriaga foi um homem que se evidenciou pela sua integridade política, pela convicção com que defendeu os seus ideais e pela vontade de transformar o país numa sociedade mais justa, mais instruída e mais desenvolvida. Por isso, bem podemos dizer que Manuel de Arriaga é um daqueles que serviram e servem de referência às gerações que se lhes seguiram. O programa museológico adoptado para este equipamento parte, exactamente, da extrapolação desse perfil para uma reinterpretação à luz dos desafios políticos e éticos actuais. Desafios daqueles tempos, do nosso tempo e, afinal, de todos os tempos.


Tal como outros, antes e depois, Manuel de Arriaga é um dos contribuintes para o património indelével da doação açoriana à cultura portuguesa e universal. É natural, pois, que o celebremos e o façamos de forma durável.


Homens como ele estão ainda mais expostos a enfrentar dissabores e grandes contrariedades ao longo da vida. Mesmo entre os seus e na sua terra natal. E assim aconteceu. Um deles, muito provavelmente neste meio, quando afirmou as suas convicções republicanas, ainda durante o regime monárquico: o seu pai, patriarca de uma família aristocrática faialense e miguelista convicto, não aceitando as opções político-ideológicas do filho, cortou relações com ele e rejeitou-o. Manuel de Arriaga carregou esse revés afectivo e foi trabalhar para sobreviver e concluir a sua formação universitária.


Em Coimbra, no meio académico, revelou os seus dotes oratórios e a sua capacidade argumentativa participando em tertúlias filosóficas e políticas, onde se encontravam, entre outras personalidades, também dois dos maiores intelectuais açorianos da sua geração – Antero de Quental e Teófilo Braga. Aí terá optado pelo republicanismo democrático, sem aderir aos radicalismos, rejeitando o anticlericalismo e o jacobinismo.


Homem de acção, organizou comícios e participou em manifestações. Pelo facto de ter liderado uma delas, por ocasião do Ultimato Inglês, contra a submissão do governo aos interesses estrangeiros, foi preso num navio, em conjunto com Jacinto Nunes, até ser amnistiado.


Apesar de ter sido derrotado em algumas eleições – o que, sei bem do que falo, pode ser um forte estimulo para a prática cívica e a valorização da tolerância –, Arriaga foi finalmente eleito deputado pelo vizinho círculo do Funchal em 1882, tendo sido o segundo republicano a franquear as portas do Parlamento. Nesta qualidade, continuou defendendo princípios ainda hoje recorrentes: a liberdade de consciência, a liberdade de expressão e a liberdade de associação, o melhor acesso ao ensino ou, em geral, a construção de uma sociedade mais justa.


As palavras de Raul Brandão dirigem-se no sentido da verticalidade do seu carácter quando o definiu como um “homem profundamente altruísta e magnânimo, de uma grande bondade e honradez”.


Instalado o regime republicano, tornou-se numa das suas principais figuras, o que conduziu à sua eleição como primeiro Presidente da República. Numa atitude sempre conciliadora para evitar as sangrentas divisões no campo republicano, acabou, porém, de forma inglória o seu mandato ao escolher Pimenta de Castro para chefe de um governo. Derrubado pelos mais radicais, Manuel de Arriaga viveu o resto da sua vida atormentado com esse desgosto.


Não perdeu, contudo, a admiração popular, o que se comprova pelo facto de ser um dos cidadãos mais evocados na toponímia do país. A popularidade e prestígio de Manuel de Arriaga fizeram com que o seu nome fosse atribuído a muitos espaços urbanos, quer no território continental e insular, quer nas antigas possessões ultramarinas, apontando-se, actualmente, à volta de sessenta e cinco atribuições no território nacional e quatro nos territórios das ex-colónias. É caso incomum nas páginas da história da toponímia portuguesa.


Hoje, culminando o programa de iniciativas do Governo dos Açores alusivo às Comemorações do Primeiro Centenário da República, reabrimos este lugar, donde deve advir, a partir dos espaços criados entre as suas paredes, a mensagem permanente de homenagem aos homens e às mulheres empenhados nas causas justas, o apelo aos jovens que as devem fazer avançar e a lembrança junto das diferentes gerações sobre a consciência e a retoma de uma ética que vai muito para além dos interesses individuais.


Encerra-se, assim, com esta inauguração, o programa oficial de comemorações desenvolvido pelo Governo Regional.


Mais do que a maioria das Regiões do País, os Açores tiveram e têm boas razões para se associarem à evocação feita. Não só porque dois dos grandes vultos da instalação da República Portuguesa, e seus ideólogos, nasceram nestas ilhas – Manuel de Arriaga e Teófilo Braga –, como também por causa de muitos outros que a serviram como ministros, deputados e senadores. Embora distribuídos pelas mais diversas tendências políticas, os Açores podem orgulhar-se do contributo que deram em prol da República. Com a inauguração desta Casa Manuel de Arriaga, pretendemos também prestar homenagem a todas essas figuras.


Este é, enfim, mais um momento em que podemos e devemos sentir orgulho em sermos açorianos.”



GaCS

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