Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, em Ponta Delgada, na cerimónia de entronização como Confrade Honorário pela Confraria do Leite dos Açores:
“Foi, naturalmente, com muita honra que recebi o convite para integrar a Confraria do Leite dos Açores e é para mim motivo de orgulho estar hoje aqui, nesta cerimónia, que marca a minha pertença a esta associação.
O significado deste convite e deste ato deriva, em primeiro lugar, daquilo que a produção de leite representa na nossa sociedade, na nossa economia e na nossa Região.
Mas deriva também, e permitam-me o registo mais pessoal daquilo que, para mim, significa fazer parte de uma entidade que reconcilia a tradição com o potencial económico deste setor, que se ancora na tradição, mas que se projeta, nos seus desígnios e nos seus objetivos, na promoção e na valorização de um setor verdadeiramente essencial para os Açores.
Como é público, e nunca o escondi, é neste setor que mergulham as minhas raízes familiares.
Foi, em grande medida, este setor que me permitiu criar as condições para que fizesse o percurso que fiz e que, hoje, confluiu para que estejamos neste momento e nesta circunstância.
Reconhecê-lo, como filho de um lavrador, é, pois, para mim motivo de grande orgulho.
Como bem sabem todos os que estão nesta sala, produzir leite é o acumular de tradições, é a implementação de inovações, é a dedicação ao trabalho diário e sem descanso e é a experiência feita no terreno e, muitas vezes, passada, com orgulho, entre as gerações de famílias açorianas.
Por isso, encaro a minha pertença à Confraria do Leite dos Açores como um momento solene de grande responsabilidade pela exigência que lhe está inerente de preservar a história, as tradições e o modo de vida rural que está subjacente ao leite, bem como de promover uma “marca” que já ultrapassou as fronteiras da nossa Região.
Cada vez mais longínquos estão os tempos, e felizmente que assim é, em que à produção de leite se associava a imagem de um lavrador de carroça, de vacas amarradas pela corrente na pastagem e de ordenha manual.
Cada vez mais longe vão, também, os tempos em que à esmagadora maioria dos lavradores pouco mais interessava do que o tratar das vacas e a entrega do leite.
Sendo um dos principais motores económicos da nossa terra, a produção de leite tem o mérito de, ao longo dos últimos anos, se ter afirmado como um setor altamente especializado e profissionalizado em que, para além da labuta diária do cuidar dos animais, há todo um trabalho de gestão e de planeamento das explorações agrícolas que exige conhecimento, exige sensibilidade e exige grande profissionalismo.
Por isso, reafirmo que os lavradores Açorianos têm, na esmagadora maioria dos casos, correspondido positivamente àquilo que o setor lhes exige e àquilo que a Região deles espera.
Por outro lado, quer através de cooperativas, quer através do movimento associativo, o setor da produção de leite ganhou intervenção social, ganhou intervenção política e ganhou a capacidade de ter uma voz ativa e interventiva.
É um facto que, fruto da capacidade do movimento associativo e do movimento cooperativo, a Lavoura, no seu todo, é cada vez mais parte integrante do processo de discussão e de decisão das medidas que, aos mais variados níveis, interessam ao setor.
Refiro, em especial, o processo de formação das posições do setor, que se democratizou, resultado da ampliação da respetiva participação e dos cada vez melhores circuitos de informação e de esclarecimento que hoje fazem parte do nosso dia-a-dia.
Não tenho, por isso, qualquer dúvida em reconhecer que este processo só veio reforçar o setor e, por essa via, reforçar os Açores.
A produção de leite na nossa Região foi confrontada ao longo do tempo com desafios, os quais foram sendo ultrapassados com eficácia pelos produtores, que manifestaram sempre capacidade para, a cada momento, responder às solicitações que lhes foram colocadas.
Quando foi pedido aos produtores para produzirem mais, a resposta foi inequívoca e célere, representando hoje a produção dos Açores mais de 30 por cento de toda a produção nacional.
Quando foi solicitado que produzissem melhor, rapidamente passamos a ter o melhor leite de Portugal, imagem de marca de uma Região, com benefícios económicos que vão muito além das receitas provenientes das exportações de lacticínios.
Fruto desse dinamismo, a que também correspondeu - é importante reconhecê-lo - uma forte e decisiva aposta na modernização e no profissionalismo da indústria de lacticínios, o setor da produção de leite assume uma importância inquestionável para a nossa economia.
Assim é, não só por aquilo que dele resulta diretamente, mas também por um conjunto de efeitos indiretos que resultam dessa atividade e que, inclusive, se projetam noutros setores da nossa economia.
É o caso, desde logo, do Turismo, o qual encontra na Agricultura um parceiro promocional de grande importância, para além dessa ser a garante de parte significativa da nossa paisagem que tanto cativa quem nos visita.
É por isso que considero ser uma falsa questão a visão de antagonismo entre a Agricultura e o Turismo.
O Turismo dos Açores necessita da Agricultura dos Açores pelas vantagens que dela resultam em termos de notoriedade, de promoção contínua e de manutenção de aspetos fundamentais da imagem e da atratividade do destino turístico.
A Agricultura dos Açores necessita do Turismo dos Açores também pelo potencial de promoção que este tem para aquela, para já não falar que é no Turismo que temos a forma mais segura, mais fácil e mais rentável de exportação dos nossos produtos.
Novos desafios se perfilam, porém, no horizonte mais próximo. Permitam-me que hoje aqui refira, embora de forma breve, dois.
O primeiro tem a ver com a necessidade de, cada vez mais, ser necessário analisar em permanência a rentabilidade deste setor.
Neste juízo de rentabilidade incluo um conjunto variado de fatores, desde o estritamente económico até outros como, por exemplo, o ambiental e o da imagem de marca associada.
Quer isto dizer que, sobretudo no âmbito do novo período de programação financeira em que estamos a entrar, a componente da rentabilidade do setor deve ser constantemente analisada e, se necessário, corrigida.
Ou seja, necessitamos de, em permanência, aferir se a nossa produção, e quem diz a nossa produção, fala da produção de cada uma das explorações e da própria transformação, tem em conta que nem sempre rentabilidade é sinónimo de quantidade produzida, mesmo que com qualidade.
É cada vez mais imprescindível termos a consciência que o caminho percorrido até aqui não se compadece com a produção a qualquer custo, em quaisquer condições ou com recurso a quaisquer meios.
Alicerçámo-nos, e bem, numa produção e numa transformação que tem associada uma fortíssima imagem de qualidade e de segurança.
Esse deve ser um aspeto a salvaguardar em qualquer caso e em qualquer cenário. Nada, absolutamente nada, pode fazer perigar este importante ativo que é da Lavoura e dos Lavradores Açorianos.
E não se trata, permitam-me também que clarifique, do interesse do Governo ou daquilo que melhor serve o Governo.
Esse cuidado, essa vigilância, e a correspondente proatividade na sua garantia, servem, em primeiro lugar, o interesse direto e imediato do setor da Lavoura e a garantia de rendimentos dos seus profissionais.
Um segundo desafio de que gostaria de falar-vos é aquele que encerra a decisão comunitária de eliminar o regime de quotas leiteiras. Essa decisão constitui uma desregulação de um importante mercado com grandes assimetrias ao nível da quantidade e da qualidade do leite produzido na Europa.
Basta dizer que, em 2011, os produtores europeus entregaram 140 milhões de toneladas de leite. É este o mercado onde concorremos. Mas, se é verdade que alguns produzem muito, é também verdadeiro que muito poucos produzem com a qualidade que é comummente associada à produção leiteira Açoriana.
E é exatamente na resposta que conseguirmos dar a esta equação que estará a chave para que, nos Açores, entidades públicas e entidades privadas consigam ultrapassar com sucesso este novo desafio que se coloca a toda a fileira do leite.
Como todos bem sabem, as medidas concretas e objetivas para atenuar os efeitos do fim das quotas leiteiras não se tomam no dia seguinte ao desmantelamento desse regime.
O Governo dos Açores tem vindo, há já algum tempo, a implementar medidas que visam tornar o setor da produção de leite nos Açores mais forte e mais competitivo.
Foram significativos os investimentos efetuados na modernização das explorações agro-pecuárias açorianas, representando cerca de 80 milhões de euros de investimento entre 2007 e 2013.
Ainda ao nível da produção, o setor tem vindo a sofrer uma reestruturação tranquila, assente no ajustamento do número de produtores, no aumento significativo da quantidade média produzida por exploração e ainda numa tendência de crescimento sustentado da produção global da Região.
Um dado relevante, e que é bem demonstrativo da transformação que está a ocorrer, é o referente à produção média por exploração. Há apenas 4 anos atrás ela estava em 150 mil litros. Hoje, já estamos praticamente em 200 mil litros.
Por outro lado, temos vindo também a apoiar investimentos na indústria de transformação de laticínios, através de estruturas modernas e capazes de dar resposta ao aumento da capacidade produtiva do setor e às exigentes condições dos mercados, em termos de formatos, imagem, quantidades e qualidade.
Esta aposta levou a que, no atual período de programação 2007-2013, tivéssemos ao dispor das nossas agroindústrias cerca de 50 milhões de euros de fundos comunitários, que permitiram gerar um investimento superior a 90 milhões de euros, contribuindo assim decisivamente para a modernização do nosso setor agroindustrial.
Esta tem sido uma evolução que permite que estejamos mais preparados para o período pós desmantelamento do regime de quotas leiteiras.
Porém, após 2015, todo este trabalho só será eficaz se a Região souber fazer a alteração decisiva nesta fileira, olhando para a nossa dimensão num mercado aberto e perceber que só se conseguirá ganhar terreno se os nossos produtos forem diferentes do que fazem os outros.
De pouco nos servirá investir milhões de euros públicos e privados e, depois, fazer um produto que é também feito, indiferenciadamente, por países mais perto dos mercados e com dimensões muito superiores.
A questão do desmantelamento do regime das quotas de produção de leite tem, ainda, uma componente política e técnica muito acentuada e, neste aspeto, o nosso empenho e o nosso esforço desenvolve-se em vários níveis.
Tive recentemente a oportunidade de abordar esta matéria com a Comissão Europeia e com os meus colegas Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, na Conferência dos Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, realizada na ilha da Reunião em outubro.
Ciente da importância desta matéria, a declaração final desta Conferência deixou expresso, contemplando as pretensões açorianas, que o fim do regime das quotas deve ser acompanhado de compensações aos produtores de modo a evitar perdas de rendimento e permitir, assim, adaptar o setor leiteiro açoriano ao mercado global e liberalizado que resultará da abolição de um sistema de quotas.
Do mesmo modo, na última semana, no âmbito do processo de consulta pública promovido pela Comissão Europeia sobre o Regime POSEI, tanto a contribuição do Governo dos Açores, como a contribuição da Conferência de Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, reiteraram claramente estas preocupações, assinalando a necessidade de ter em conta os efeitos de todas as alterações regulamentares, através de disposições adequadas, análises prévias do seu impacto e mecanismos de compensação ao setor agrícola.
Estas vitórias, mesmo parecendo isoladas, fazem parte de uma estratégia e de um percurso político e fundamentado para que os Açores possam ficar melhor preparados para responder a este desafio.
Gostaria de terminar esta intervenção com um sinal de esperança baseado nos factos e na certeza que, num percurso não isento de dificuldades e de obstáculos, saberemos todos dar a resposta que os Açores necessitam a estes novos desafios.
Este sinal de confiança e de esperança é transmitido também pelo importante rejuvenescimento dos nossos ativos agrícolas, que, associado a uma melhoria relevante dos seus níveis de formação, garantem uma dinâmica impulsionadora de sucesso no futuro que se avizinha.
Até setembro, foram aprovados 168 pedidos de apoio à instalação de jovens na Agricultura nos Açores. Dos jovens com pedidos de apoio aprovados, 63 por cento têm idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos, enquanto 37 por cento têm entre 31 e 40 anos de idade.
Entre todos os pedidos de apoio aprovados no âmbito desta medida do Programa de Desenvolvimento Rural dos Açores destinada à instalação de jovens agricultores, cerca de 67 por cento visam a instalação de jovens na área da bovinicultura leiteira.
Estes indicadores representam bem a Confiança e a Esperança que temos na nossa Agricultura, enquanto área produtiva por excelência e ainda com grande potencial de criação de riqueza e emprego nas nossas ilhas.
Saibamos nós, em parceria e conjugação de esforços e de diálogo, lançar mão de todo este potencial para bem da nossa economia e das novas gerações de Açorianos.
Muito Obrigado.”
GaCS
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