Texto integral da intervenção da Secretária Regional da Solidariedade Social, Piedade Lalanda, proferida hoje, em Ponta Delgada, na sessão de encerramento do Encontro Regional das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco dos Açores:
A criação das comissões de proteção das crianças e jovens, que data de 1997, decorre do sentido de responsabilidade do Estado e da sociedade de proteger as crianças e os jovens quando estão em causa os seus mais elementares direitos e do dever que lhe incumbe de promover a família como primeira responsável pelo desenvolvimento da geração mais jovem.
Quando analisamos os principais motivos da sinalização de crianças e jovens às comissões destaca-se, e cito, a “exposição a comportamentos que podem comprometer o bem-estar e o desenvolvimento da criança e do jovem”.
Uma exposição que está sobretudo associada a ambientes familiares marcados pela violência doméstica.
Mais do que um ambiente desfavorável, agressivo, este risco é um alerta de desestruturação da missão das famílias pelo facto de atingir, em larga maioria, crianças com idade até aos 10 anos, com maior incidência para as mais pequenas, com menos de 5 anos, conforme se pode ler no relatório da Comissão Nacional referente ao primeiro semestre de 2013.
Os modelos de referência, de homem ou de mulher, de pai ou de mãe, que estão inerentes a estes ambientes violentos marcam seguramente a construção identitária destas crianças e destes jovens e podem, se não forem desconstruídos e alterados, marcar definitivamente as suas relações afetivas e sociais.
Nesse contexto, faz todo o sentido a estratégia adotada pelo Governo Regional de promover e concretizar medidas de reforço da Educação Parental, como estratégia de prevenção de situações de risco para as crianças.
Destaco igualmente a rede de prevenção e combate à violência doméstica, presente em todas as ilhas dos Açores, que articula uma ação integrada.
Destaco ainda o programa inovador que está a ser trabalhado por técnicos da Segurança Social e da Reinserção Social, intitulado Impacto, que visa intervir junto das crianças que são vítimas de violência doméstica.
Em segundo lugar e de acordo com o relatório das comissões na Região, são referidas as situações de negligência, de novo mais presentes no caso das crianças até aos cinco anos, essencialmente por falta de supervisão e acompanhamento familiar.
Entregues a si mesmas, sem referências normativas ou limites comportamentais, estas crianças ou estes jovens descobrem o mundo à sua maneira, nem sempre da melhor forma.
A estas situações, sobretudo quando o risco é acrescido, o Governo tem respondido quer ao nível das equipas técnicas que no terreno acompanham as famílias, quer, em última instância, através dos centros de acolhimento temporário.
A principal missão das CPCJ é devolver a estas crianças e jovens as condições necessárias para que possam descobrir e desenvolver as suas competências, como pessoas e como cidadãos de pleno direito.
Direito à educação, à saúde e, sobretudo, aos afetos, à família, dimensões estruturantes da construção da própria humanidade.
Não restam dúvidas de que cada caso em análise numa comissão envolve não apenas a criança ou o jovem, mas a família a que pertence.
Utilizando a linguagem jurídica, muitas das medidas de promoção e proteção visam, e cito, a “manutenção em meio natural de vida”.
A esta afirmação podemos acrescentar que a família não é, naturalmente, um meio favorável ao desenvolvimento das crianças.
Ninguém é por natureza bom pai ou boa mãe, mas aprende a sê-lo nas relações que estabelece com os filhos, pela forma como se responsabiliza pela sua socialização e na medida em que se assume como modelo de referência, capaz de estruturar identidades ajustadas.
Os adultos que assumem a paternidade ou a maternidade têm de aprender, pela relação, a reconhecer a vulnerabilidade excecional das crianças, que deles dependem.
Uma vulnerabilidade que exige o respeito absoluto pelos seus direitos e implica uma resposta adequada, não apenas, claro, no contexto familiar, mas também no contexto escolar, no ambiente habitacional e na comunidade em geral, que têm o dever de garantir a sua segurança.
Por ser complexa e multidimensional, a intervenção junto das crianças e jovens em risco só pode ser multidisciplinar. É dessa forma que trabalham as CPCJ e que devem continuar a trabalhar, intervindo junto das crianças e das famílias, ajudando umas e outras a reconhecerem a relação de dependência que as assiste entre pais e filhos, entre famílias e menores, estimulando, ao mesmo tempo, a sua capacidade para serem cidadãos autónomos.
Medidas que visem “manter em meio natural de vida” serão sempre medidas que visam “manter o meio afetivo de vida”, ou seja, o meio familiar, daí a necessidade do apoio que é dado aos pais ou aos responsáveis diretos pelas crianças e jovens que são sinalizados.
Essa tem sido a estratégia adotada na ação da Segurança Social dos Açores, apostando na educação, aconselhamento parental e terapia familiar, bem como na oferta de respostas na comunidade, em creches, ATL e outras valências de proteção, particularmente em situação de risco, como são as casas de acolhimento e os lares residenciais.
A intervenção das CPCJ é bem o exemplo do trabalho de cooperação que se exige em matéria de inclusão social. Só quando várias entidades ou vários departamentos do Governo ou várias instituições abordam uma situação de risco de exclusão e conciliam soluções e estratégias de intervenção é possível equacionar uma melhor e mais adequada resposta.
Só trabalhando de forma articulada iremos potenciar o esforço de cada entidade na redução do risco a que estão sujeitos estas crianças e jovens que chegam às comissões de proteção.
Com este encontro regional espero sinceramente que tenhamos dado um importante contributo para a consolidação deste trabalho articulado e integrado.
Na Região Autónoma dos Açores queremos ser diferentes. Queremos continuar a apoiar as comissões e queremos que as entidades representadas nelas reconheçam o papel dos seus representantes.
Uma importância que não decorre do facto de existirem comissões, mas sim de estarmos a defender o bem comum e, em concreto, os direitos humanos que são desrespeitados nestas crianças e nestes jovens que estão em perigo e que exige a intervenção da própria comunidade. Como foi dito hoje de manhã exige uma mudança de cultura.
A partilha de experiências certamente que contribuiu para que, de futuro, as comissões da Região reforcem as medidas que revelaram e que partilharam terem tido sucesso.
Este encontro é uma prova da importância que o Governo dos Açores atribui ao acompanhamento das comissões, que importa incrementar em colaboração com a Comissão Nacional porque isolados seremos sempre mais fracos.
A união e, sobretudo, a cooperação dependem da qualidade da comunicação que for estabelecida, de forma regular e permanente, entre as 19 comissões existentes nos Açores e também com a comissão nacional.
Para este Governo, a inclusão social é um eixo de ação que norteia as nossas opções políticas.
Estamos empenhados em continuar a investir na qualificação da vida familiar, mas não abdicamos de ser o suporte social em caso de risco quando falham as famílias, porque está em causa a proteção e o futuro das nossas crianças e dos nossos jovens.
Neste sentido, está a ser preparado um programa de melhoria das condições pedagógicas dos lares e centros de acolhimento e, no final deste ano letivo, esperamos atribuir prémios aos melhores alunos que estão nestas instituições de acolhimento.
Em nome do Governo Regional, agradeço particularmente ao Dr. Armando Leandro pela honra que nos concedeu em estar presente neste encontro.
Uma palavra também de agradecimento ao Centro de Terapia Familiar, que se associou à sua organização, e uma palavra especial à comissão organizadora, à Dra. Nélia Amaral, à Dra. Helena Rodrigues e sem esquecer o empenho também da Direção Regional da Solidariedade Social nesta área de intervenção.
A todos e aproveitando a aproximação das festas natalícias, gostaria de vos desejar um tempo de intensa afetividade, como é próprio do Natal.
Que 2014 seja um ótimo ano para a solidariedade e para a descoberta do capital humano que cada um de nós tem para colocar ao serviço dos outros.
Contamos de novo convosco no próximo encontro, que irá acontecer no final de 2014.”
GaCS
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