Texto integral da intervenção do presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, proferida hoje, em Bruxelas, no encerramento na conferência “Açores – Região Europeia de 2010: Um Trunfo para a Europa”:
“Assinalamos hoje, com a realização desta Conferência, a que se associou o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, com uma magnífica mensagem, o lançamento, em Bruxelas, do programa de actividades que decorre da designação dos Açores como “Região Europeia do Ano 2010”.
É uma distinção que nos honra e que pretendemos que ajude ao melhor conhecimento dos Açores na Europa e do ideal europeu na nossa Região.
Os Açores são, há mais de duas décadas, parte integrante e activa do projecto europeu, por força da adesão de Portugal. Situadas no encontro das plataformas tectónicas americana e europeia, as nossas ilhas foram sempre ponto de encontro transatlântico, espaço estratégico, conservando permanentemente a sua matriz cultural europeia.
A nossa geografia colocou-nos sempre como região associada à comunicação civilizacional e à globalização.
Pelos Açores passaram, obrigatoriamente – por cobiça, ou para abrigo, descanso e aprovisionamento –, desde as primeiras viagens marítimas intercontinentais, os que procuravam a Europa, a África e as Américas. O mesmo aconteceu com o aparecimento da era do transporte aéreo. O mesmo, também, por ocasião dos conflitos militares e períodos de maior tensão internacional que não dispensam a ocupação ou o controlo atlântico e ou a utilização do território e infra-estruturas das ilhas açorianas como plataformas mais avançadas de projecção de forças. Essa convocação da importância geo-estratégica dos Açores ainda se conserva, apesar de revista, naturalmente, nas suas funcionalidades, estendendo-se até a outros aspectos, desde as telecomunicações por cabo às tecnologias aeroespaciais.
Os açorianos – descendentes dos portugueses que na época dos Descobrimentos povoaram as ilhas desertas, mas também de flamengos, bretões, saxões e outros povos europeus com os quais fomos estabelecendo relações – comungam dos valores fundamentais comuns a todos os europeus: a defesa da Paz, o respeito pelos Direitos do Homem e a promoção do progresso e do desenvolvimento sustentável. A nossa integração política, económica e institucional na União Europeia, associada à convergência com os indicadores médios europeus, é também vista como uma via de aprofundamento da coesão territorial e do bem-estar das pessoas.
O território que os nossos povoadores, no século XV, desbravaram era, então, ao mesmo tempo, um desafio e uma estimulante promessa. Apesar da escassez do terreno, as paisagens deslumbrantes, o solo fértil, a zona marítima envolvente, os fundos marinhos, a natureza poderosa e a biodiversidade, que ainda hoje caracterizam os Açores e que nos empenhamos em preservar, eram então, tal como hoje, vantagem e atractivo.
Temos, assim, vantagens e desvantagens: porque estamos num dos centros da comunicação transatlântica, mas porque somos periféricos e estamos distantes dos mercados e dos centros de decisão e dos impulsos sociais e culturais.
Com nove ilhas ao longo de uma linha de 600 Kms de mar, os desafios de desenvolvimento são, evidentemente, acrescidos: é a própria União Europeia que o reconhece, salientando, ao incluir os Açores entre as Regiões Ultraperiféricas, o seu grande afastamento, a insularidade e pequena superfície das ilhas, o relevo e clima difíceis e, consequentemente, a existência de um mercado pequeno e fraccionado e a inevitável dependência económica em relação a um reduzido número de produções.
Todos estes factores – “cuja persistência e conjugação” são características únicas no contexto europeu – “prejudicam gravemente” o seu processo de inclusão económica e social e requerem a adopção de medidas específicas, como agora vem expresso autonomamente no artigo 349º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
O estatuto das Regiões Ultraperiféricas não é mais, assim, do que a concretização de um princípio fundamental – agora consagrado na nova dimensão territorial da coesão económica e social – segundo o qual a União Europeia deve procurar o desenvolvimento harmonioso de todas as parcelas do seu território e facultar aos seus cidadãos a possibilidade de tirarem o melhor partido das características das suas regiões, para que beneficiem de uma maneira equilibrada e equitativa do projecto europeu.
No seio de uma União com quase 500 milhões de habitantes, é natural que os Açores não sejam sempre lembrados, sejam até para muitos desconhecidos, ou ainda, para outros, a sua realidade pouco compreendida e atendida. No contexto político-institucional da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, bem como de um novo Colégio de Comissários e de um Parlamento Europeu com poderes reforçados, este será, sem dúvida, um bom momento para atenuarmos esses défices e esses inconvenientes.
Tem sido enorme o contributo da União Europeia para o nosso desenvolvimento, não só através dos apoios financeiros de variados fundos e programas, como na regulamentação e medidas específicas de que somos alvo, que estimulam e beneficiam alguns dos sectores da nossa economia. Mas, algumas vezes, os caminhos seguidos e as decisões tomadas não têm sido, a nosso ver, as melhores, tanto para os objectivos da União, como para os interesses dos Açores.
Falo, por exemplo, das perspectivas de desregulamentação da produção leiteira, que afectará negativamente a produção na Europa e a sustentabilidade da fileira tradicional do leite nos Açores. Ora, uma Europa que não defende corajosamente o desenvolvimento rural através da sua economia produtiva, acaba por comprometer o seu desempenho económico e a ocupação produtiva de muitas das suas comunidades integrantes.
Falo, por outro lado, da redução da zona de protecção dos mares dos Açores das 200 para as 100 milhas, imposta pelo Regulamento das Águas Ocidentais, o que originou um grande aumento do esforço de pesca e que coloca em causa a sustentabilidade dos recursos e as medidas precaucionais com base nas quais a Europa deve agir e o Governo dos Açores desde sempre procurou gerir o sector. Uma Europa que se mostra permissiva na depredação desses recursos está a desvalorizar o futuro e a comprometer já a sobrevivência de muitas das suas populações costeiras.
Falo, ainda, na integração do sector da aviação no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, em relação ao qual não foram tidas em conta as difíceis condições de mobilidade e de acessibilidade das regiões ultraperiféricas e a ausência de alternativas à circulação aérea. Uma Europa que penaliza indiferentemente, nestes casos, as suas regiões, não atende adequadamente à proporção de responsabilidades e às variantes da salvaguarda da sua coesão territorial.
Evidencia-se, pois, a necessidade de se melhorar o conhecimento da realidade ultraperiférica europeia e, por essa via, convocar também uma maior atenção de autoridades e de instituições políticas: as autoridades regionais, particularmente as dotadas de poderes legislativos como nos Açores, devem ver reforçada a sua subsidiariedade e as suas boas práticas, e não serem postas em causa por decisões da União; as autoridades regionais, nacionais e da União devem fortalecer o espírito de parceria para as Regiões Ultraperiféricas, como exemplo da boa governação a vários níveis que se pretende para a União Europeia; a ligação dos vários níveis de poder executivo com os parlamentos deve também ser reforçada, muito em particular com o Parlamento Europeu e os seus membros, agora com maiores poderes no processo legislativo da União, para concertação de posições em benefício da boa resolução das questões que afectam os territórios em geral; e, por fim, no seio da Comissão Europeia, é importante uma boa coordenação inter-departamental, através do reforço da Unidade Regiões Ultraperiféricas da Direcção-Geral de Política Regional, para se obter maior coerência e eficácia no nosso caso de aplicação do regime das RUP.
Temos, nestes como em outros contextos, apresentado o contributo dos Açores em múltiplas instâncias e ocasiões, para o debate de questões importantes para o futuro da Europa e das nossas regiões, como acontece com a estratégia UE 2020, a política comum de pescas, a política marítima integrada, a política de transportes, as perspectivas financeiras da União, a política regional, ou as alterações climáticas, para mencionar apenas algumas mais relevantes.
Da parte da Comissão Europeia, assistimos, em 2007, a um reflexão aprofundada sobre o futuro da estratégia da União para as RUP, da qual resultou, em 2008, a comunicação “As RUP: um trunfo para Europa”, e teremos, já em Maio próximo, aqui em Bruxelas, o primeiro “Fórum da Ultraperiferia”, no seguimento, aliás, de uma proposta avançada pelo Governo dos Açores durante o processo de consulta pública.
Por outro lado, estamos neste momento a trabalhar com os Estados-Membros na elaboração de um memorando comum entre Portugal, França e Espanha e as suas Regiões, sobre os desafios futuros das RUP. Seguimos, assim, num rumo positivo e continuaremos a trabalhar em espírito de parceria em prol das Regiões Ultraperiféricas e do desenvolvimento concreto do seu normativo previsto nos Tratados.
Mais do que dois temas candentes, trouxemos a esta Conferência dois desígnios dos açorianos e do programa do seu Governo – a sustentabilidade do nosso processo de desenvolvimento e a nossa relação essencial com o mar.
Com efeito, temos plena consciência da necessidade, tão actual na União Europeia, de se preservar, potenciar e valorizar a estrutura ambiental dos Açores e, bem assim, a importância de se manter e aprofundar a aposta nas energias renováveis, na sustentabilidade dos recursos e na preservação da biodiversidade como pilares que afirmam os Açores no contexto europeu e global.
Assumimos, por outro lado, a coesão económica, social e territorial, não só como um objectivo da União, mas também, internamente, como meta principal do nosso desenvolvimento regional, pois cada açoriano, dos pouco mais de 400 que habitam na ilha do Corvo aos cerca de 140 mil que vivem na ilha de S. Miguel, tem igual direito ao progresso, ao bem-estar e à fruição dos direitos e liberdades fundamentais adstritos ao ideal europeu.
No Atlântico, o mar territorial dos Açores adiciona, como é fácil de visionar, uma profundidade estratégia a ocidente única e imprescindível à UE. Os Açores são, na Europa, a maior região marítima, pelo que se compreende por que damos tanta importância a uma gestão cuidada do Mar. A necessidade de se promover uma Política Marítima integrada, transversal a vários sectores e com o devido financiamento, que crie condições sustentáveis dos pontos de vista económico, ambiental e social, é, assim, um objectivo fundamental para o qual temos contribuído de uma forma muito empenhada.
Os Açores contribuem para diversidade biológica, sustentabilidade e preservação ambiental da Europa, com índices e ambição na utilização de energias renováveis acima de qualquer média europeia. Os Açores são, na Europa, um laboratório natural para o desenvolvimento da investigação e aplicação de tecnologias inovadoras em domínios de excelência. Os Açores têm, na Europa, plantações tradicionais singulares, como o chá ou o ananás, e produtos de excepcional qualidade provenientes da agropecuária. Os Açores são, também para os europeus, um destino turístico de Natureza protegida e aqui tão perto. Os açorianos, europeus de vocação atlântica, são uma ponte para vários lugares do Mundo, da costa leste à costa oeste dos Estados Unidos da América e do Canadá, no sul do Brasil, passando pelas Bermudas e, até, pelas longínquas ilhas do Havai.
Com os Açores, a Europa é mais rica dentro e fora dela.
Nos Açores, na “Região Europeia do Ano 2010”, construímos uma Europa firmemente comprometida com os valores da coesão e do desenvolvimento a pensar no futuro.
Nos Açores a Europa chega, efectivamente, mais longe! O nosso esforço é para que esse benefício do ideal europeu chegue sempre o mais cedo possível.”
GaCS/CT
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