sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Intervenção do Presidente do Governo na 39.ª Assembleia Geral da Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa


Texto integral da intervenção do Presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, proferida hoje, na Dinamarca, subordinada ao tema "Rumo a uma nova coordenação entre o Mercado Único e a Política de Coesão", no âmbito da 39.ª Assembleia Geral da Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa:



"Senhor Presidente (da Mesa e Presidente da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa), Jean-Yves Le Drian, que saúdo, agradecendo o convite para participar nesta sessão dedicada ao tema da coordenação entre o mercado único e a política de coesão – afinal, dois temas associados aos ideais europeus da liberdade e da solidariedade.

- Senhor Comissário Europeu para o Mercado Interno e Serviços, Michel Barnier – um dos pensadores e decisores europeus mais conhecedores e atentos às problemáticas regionais da União, desde as mais centrais no mercado europeu às Regiões Ultraperiféricas.

- Senhor Representante da Região Emilia-Romagna, Patrizio Bianchi

- Caros Colegas e Amigos,

Nunca, como agora, em que atravessamos um dos mais críticos momentos da União Europeia, se tornou tão importante reflectir. Reflectir, porém, para agir.

Agir para afastar a tendência de recessão e o espectro da desintegração. Agir para evitar no futuro a repetição do que esteve na origem da crise económico-financeira que agora vivemos. Ter a coragem de agir para defender o nosso espaço de mercado face ao mercado global, e agir para que o mercado interno seja um instrumento de coesão e para que as políticas de competitividade do espaço europeu considerem as coordenadas geográficas do território.

É preciso agir para manter o ideal europeu: e não há ideal europeu que se realize sem o governo efectivo que ainda não temos e a solidariedade que ainda carece de instrumentos de concretização. Esta é a questão estratégica central da União.

Sem a Europa federal não tardará que cada um siga o seu caminho: que caminho? ninguém agora poderá dizer, mas é certo que a insegurança dos caminhos que uns seguirão prejudicará certamente o caminho dos outros.

A comunicação, há dois dias, do Presidente Barroso, sobre o “estado da União”, foi um sinal dessa percepção e um saudável sobressalto – um sinal da consciência de que é preciso recuperar a confiança e trabalhar efectivamente para isso. Oxalá signifique algo de novo para além das palavras novas.

Caros Colegas

Minhas Senhoras e meus Senhores

O Mercado Interno – espaço de livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e bens – e o processo de integração económica e monetária que tem acompanhado o seu desenvolvimento, não podem ficar alheados das nossas particularidades territoriais, em especial da existência de um espaço geográfico que se diferencia na sua periferia continental marítima, que se desdobra na insularidade da Europa e que se dispersa, mas também se projecta globalmente, na ultraperiferia da União.

Quero com isto lembrar que as condições de acesso e de benefício do Mercado Interno são claramente influenciadas pelas características dos territórios: – mais difícil se torna na periferia, também nos contextos insulares, e, num grau mais extremo, na ultraperiferia, seja no Atlântico norte ou sul, seja no mar das Caraíbas ou no Índico onde a Europa se prolonga.

O objectivo de coesão territorial pressupõe a obrigação da União Europeia promover a igualdade de oportunidades de todos os cidadãos, tendo em conta as características geográficas regionais. Assim, Mercado Interno e Política de Coesão constituem, ou deviam constituir, sem dúvida, faces da mesma moeda. Claro que é pouco verosímil que se desenvolvam livre e autonomamente com as mesmas finalidades, como temos visto, e ainda menos no actual contexto de crise. Mas é fundamental encontrar soluções que não afastem o funcionamento do mercado da concretização da coesão.

Alguns dirão que o Mercado Interno beneficia essencialmente as grandes economias de alguns estados europeus e que a Política de Coesão serve apenas para compensar as dificuldades de sectores, regiões e economias mais frágeis – como se uns tivessem que viver do Mercado e outros da Solidariedade! O que deve acontecer é que o Mercado Interno, estando ao serviço de todos os cidadãos e constituindo um motor de crescimento da economia europeia, deve encontrar na Política de Coesão as formas de se concretizar onde tem menores potencialidades. Por outras palavras, o Mercado faz crescer e a Política de Coesão deve servir para disseminar esse crescimento. E o crescimento deve ser hoje, na União, o grande objectivo que acompanhe o reequilíbrio orçamental dos Estados Membros.

Por isso, é preciso ter atenção às peculiaridades desse processo em territórios com maiores dificuldades de acesso ao Mercado Interno. Nesses casos, impõe-se uma maior intervenção e apoios do sector público na economia, intervenção essa que ainda está dificultada por regras essencialmente pensadas para o “grande Mercado Interno continental”.

As economias regionais frágeis, muito em especial aquelas que sofrem de condicionalismos estruturais graves e permanentes, devem ser protegidas, assim como as suas empresas, as quais, sem dimensão de escala ou alternativas às suas produções tradicionais, têm grandes dificuldades em competir com as suas congéneres continentais. Esta protecção não significa que se reivindique a introdução de distorções ao funcionamento do mercado, mas apenas que se garanta aos poderes públicos destas regiões um mínimo de capacidade de intervenção e o reforço da sua capacidade em desenvolver, com algum nível de flexibilidade, acções direccionadas que permitam corrigir distorções, estas sim, resultantes de uma aplicação legislativa indiferenciada.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Estamos no centro de uma crise em que é preciso restaurar a confiança no Euro e capacitar o sector financeiro para satisfazer os seus compromissos e apoiar as economias. Simultaneamente, estamos a preparar um novo período de programação (2014-2020) e a revisão de diversas políticas sectoriais essenciais, com destaque, aqui, para a Política de Coesão.

Em boa verdade, as dificuldades de uma programação coerente são grandes, pois a fragilidade das previsões, essa sim, é enorme. Mas é muito importante que, nem interna nem externamente, se deixe a ideia de uma Europa à deriva. Ou seja, aos esforços e propostas da Comissão e do Parlamento, bem como ao compromisso das Regiões, devem somar-se lideranças esclarecidas e empenhadas dos Estados Membros, os quais não devem promover nacionalismos serôdios que acabarão por os prejudicar também.

É preciso conciliar a maior dificuldade de mobilização de recursos com as maiores necessidades e expectativas de os utilizar. E nenhum país tem o direito de se declarar incumpridor e de se dissociar do esforço global necessário. Em síntese, a União Europeia não pode desiludir a Europa.

Nas perspectivas que se abrem para o quadro financeiro 2014-2020 devemos orientar os esforços para vencer a crise com mais investimento nas políticas sectoriais consideradas mais emergentes e estruturais, e chegar a um acordo final, também quanto aos recursos próprios da União, que dê resposta cabal às necessidades do presente e do futuro.

Estamos satisfeitos com as declarações que confirmam a Política de Coesão numa posição prioritária do orçamento comunitário. Espero, evidentemente, que se esteja a pensar sobretudo nas regiões com mais dificuldades e, muito em particular, numa discriminação positiva daquelas regiões que têm um estatuto único e diferenciado no contexto europeu, consagrado no artigo 349º do Tratado: – as Regiões Ultraperiféricas! Os graves condicionalismos estruturais e exclusivos destas oito Regiões, bem como o fundamento jurídico singular de que beneficiam para um tratamento diferenciado, incluindo a Política de Coesão, não podem ser desvalorizados, comparados ou assimilados à situação de outras categorias territoriais.

Nem o tema deste Painel de Debate nem qualquer outra reflexão sobre a actualidade europeia pode estar afastada do desafio de restaurar as finanças públicas nacionais, reduzir os deficits dos Estados e os níveis de endividamento público.

Todavia, a futura Política de Coesão não pode ser privada da sua dimensão regional pela introdução de uma componente de condicionalidade externa – ou condicionalidade macroeconómica – que retiraria aos estados e às regiões uma parte dos recursos direccionados, exactamente, ao restabelecimento de uma situação macroeconómica satisfatória.

No que se refere à situação específica das Regiões Ultraperiféricas, aguardamos com grande expectativa o relatório do conselheiro especial da Comissão Europeia, Pedro Solbes. Percorremos já um longo caminho a este respeito desde que o Senhor Comissário Barnier, no I Fórum da Ultraperiferia Europeia, deu o primeiro impulso a este projecto. É nossa convicção de que uma estratégia renovada para as Regiões Ultraperiféricas deverá contribuir para uma Europa e um Mercado Interno fortes.

Caras e Caros Colegas,

Considerando a limitação de tempo, selecciono, ainda, uma questão final.

Sabemos que a UE é o maior exportador de bens e serviços e que representa, em contrapartida, um mercado de 500 milhões de consumidores. Esta dimensão deve ser tida em conta na concretização de acordos comerciais internacionais, mas esta projecção externa do Mercado Único não pode, também, servir apenas as economias mais fortes e os estados mais desenvolvidos. Pelo contrário, a dimensão externa do Mercado deve conter uma vertente inspirada pela coesão do todo europeu.

Vem isto a propósito das negociações entre a União Europeia e o Mercosul.

A liberalização e abertura de mercados na América do Sul representa, sabemos bem, um poderoso atractivo para os grandes produtores de bens industriais, servindo os interesses dos estados mais industrializados. No entanto, em contrapartida, a abertura do mercado da UE a produtos agrícolas dos países do Mercosul, com custos de produção muito mais baixos e sem garantia das normas e exigências ambientais, representa uma grave desvantagem para a agricultura europeia e, no caso da minha Região, dos Açores, uma nova dificuldade para a sustentabilidade da produção de carne, bem como um factor, em geral, de distorção da competitividade no Mercado Interno.

Assim, a negociação de acordos internacionais não poderá implicar – em regiões onde os condicionalismos e limitações à diversificação de produções são de todos conhecidos – a destruição de uma estratégia que levou, nos últimos anos, a um incremento significativo de produção e da qualidade, fruto de um forte investimento das autoridades públicas e dos próprios agricultores.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Não nos podemos, por isso, esquecer dos “mercados” dentro do Mercado Único, alguns dos quais são até mesmo “internos” às próprias regiões. Quando pensamos nos Açores, com nove pequenas ilhas – pertencentes à União Europeia mas afastadas de Lisboa por 1.500 km de mar, 5.000 Km de Bruxelas ou Paris, com 600km de Oceano Atlântico entre a ilha mais oriental e a mais ocidental – logo percebemos que, só neste caso, existem nove pequenos mercados que, não obstante pertencerem ao “grande” mercado interno, muitas vezes estão impedidos de aceder aos seus benefícios. Falo dos Açores mas, na mesma, ou em outras proporções, poderia falar de outras regiões.

Se a União Europeia não permitir atribuir apoios específicos e destinar fundos específicos para apoiar este e outros tipos de mercados internos, não tenhamos ilusões: falhará o Mercado Interno e falhará a Europa.

Estou convencido de que a Europa não falhará e que todos trabalharão para isso."




GaCS

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