segunda-feira, 16 de maio de 2016

Intervenção do Presidente do Governo

Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, em Vila Franca do Campo, na sessão solene comemorativa do Dia da Região Autónoma dos Açores:

“Neste dia em que celebramos a Região Autónoma dos Açores, a Autonomia e a Açorianidade, quero começar por saudar o Povo Açoriano, as Açorianas e os Açorianos, que são a razão de ser, que são a causa da nossa existência como Região e os destinatários últimos da nossa ação como realidade política.

Estejam em cada uma das nossas ilhas ou na nossa Diáspora espalhada pelo mundo, a todos saúdo, não só como Presidente do Governo, mas como Açoriano que, neste dia, também celebra a nossa história, a nossa herança e o nosso sentir.

É também esse o significado que atribuo a celebrarmos hoje, não apenas a realidade política que somos, mas, fazendo-o na Segunda-Feira do Espírito Santo, celebrarmos também um dos mais profundos vínculos que nos une e que nos identifica como Povo e como Região.

Sob os valores da Partilha, da Solidariedade e da Esperança, no fundo, valores tão arreigados nas celebrações que o nosso Povo promove e realiza em torno da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, quero também dirigir uma saudação especial ao Povo de Vila Franca do Campo, que é o nosso anfitrião nestas comemorações.

Neste concelho, a História regista duas das caraterísticas que também têm marcado, ao longo dos séculos, a nossa têmpera como Povo: a capacidade de reconstruir, de refazer e de reerguer-se quando a natureza nos é madrasta, e a persistência em, muitas vezes, sermos, mesmo ao preço de sangue, o último reduto da defesa da nacionalidade e do nosso Portugal.

Quero também saudar, de forma especial, as personalidades e entidades que, neste dia, são agraciadas com as Insígnias Honoríficas Açorianas.

O Povo Açoriano, através dos seus representantes eleitos, considerou serem credores de reconhecimento e de homenagem públicos.

Este dia marca, pois, esse tributo ao vosso trabalho, à vossa ação e ao que contribuíram para a defesa e promoção dos interesses dos Açores, mas também significa, e hoje não podemos deixar de referi-lo, um exemplo de um Povo que, generoso, reconhece quem o reconhece, acarinha quem o acarinha e promove quem o promove.

Que este dia seja para todos vós testemunho dessa qualidade do Povo Açoriano, pois acredito que também para nós, pelo vosso exemplo, pela vossa dedicação, pela vosso contributo, será, igualmente, um dia inspirador para o caminho que temos à nossa frente.

As celebrações do Dia da Região Autónoma dos Açores neste ano permitem invocar duas circunstâncias de não pequena importância para a nossa vivência colectiva.

Por um lado, comemoram-se os 40 anos da data em que a Autonomia Político-Legislativa foi consagrada na Constituição da República Portuguesa e, por outro, este é o ano que conclui a presente Legislatura.

No primeiro caso, importa salientar que, embora isso também releve, não estamos perante apenas um processo de descentralização política e administrativa que a Democracia possibilitou que fosse feito também no interesse e para servir objetivos do próprio Estado.

Estamos, fundamentalmente, a falar da consagração constitucional de uma luta, de uma ambição e do sonho de um Povo que não se conformou com o desprezo a que o votaram na mais cruel forma do esquecimento, do centralismo e do mando ignorante porque distante.

Estamos a celebrar uma conquista fruto de uma luta árdua, face a preconceitos, face ao desconhecimento, face à oposição declarada e obstinada em alguns casos, e luta esta que só foi coroada de sucesso, por um lado, porque a Democracia lhe abriu as portas da possibilidade e, por outro, porque, da nossa parte, havia a força e a vontade para a querer concretizar.

Mas, decorridos 40 anos, convém ter presente que hoje não celebramos as legítimas perspetivas individuais, os projetos ou a visão particular de cada um.

Celebramos, isso sim, a Autonomia que resulta da força criadora de uma Democracia madura, a Autonomia que resulta da participação e do contributo de todos os que, aos mais diversos níveis, e nas mais diversas funções, para ela contribuíram e a ajudaram a crescer.

Celebramos uma Autonomia plural, democrática, fértil que alcançou resultados concretos em benefício do Povo Açoriano.

Uma Autonomia, ela mesma, resultante da vontade democraticamente expressa desse Povo que a anima e que a vivifica.

É por isso, é nessa perspetiva, que não há, nem pode haver, paternidades privilegiadas ou acrescidas legitimidades fundacionais, que não comecem e não acabem no Povo Açoriano.

Do Governo e Oposição de outrora, como do Governo e Oposição de agora, reconhecemos e valorizamos contributos significativos e importantes para a construção de uma Autonomia que, sem sombra para qualquer dúvida, constitui uma das grandes histórias de sucesso do Portugal democrático.

Seja no progresso e desenvolvimento económico e social alcançado, e que está à vista de todos em todas e em cada uma das nossas ilhas, seja na crescente consciência da unidade e coesão regionais, é a nossa Autonomia que constitui a força motriz e o cimento agregador do nosso Povo, das nossas ilhas, da nossa ação.

Mas, salientar e realçar o caminho já percorrido, salientar os progressos e as vitórias alcançadas, não pode fazer-nos esquecer que o nosso modelo de autogoverno não é ponto de chegada. É ponto de partida.

Ele não existe por si. Ele existe em função da sua capacidade de dar resposta aos desafios com que o Povo Açoriano é confrontado e quer vencer.

Interessa, por isso, bebendo no inconformismo e na ambição daqueles que lançaram esta magnífica realização, alargarmos os nossos horizontes, renovarmos os nossos objetivos, ampliarmos, no fundo, as possibilidades de ação e de intervenção da nossa Autonomia.

Em boa verdade, trata-se de renovarmos e atualizarmos, fruto da evolução já verificada e dos novos desafios que se levantam no horizonte, desde logo, os objetivos que a vontade dos Açorianos e a própria Constituição elencaram:

a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico e social, a promoção dos interesses regionais, o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.

É um facto que, ao nível da participação democrática dos cidadãos, não está apenas em causa a possibilidade do exercício do direito de voto.

Numa reflexão atualizada e atualizante desse objetivo, não podem deixar de emergir desafios como o combate a uma abstenção persistente, mas, sobretudo, a luta por uma cidadania mais participante, mais empenhada, mais esclarecida nos seus propósitos e exigente nos seus objetivos, comprometida e responsável na sua prática, que não pode, nem deve, resumir-se apenas ao mero ato formal de votar ou à manifestação, em contexto social, da opinião ou da crítica.

É um facto que, ao nível do desenvolvimento económico e social, muito já foi alcançado, nomeadamente, com o progresso nos nossos setores produtivos, com a infraestruturação da nossa Região e com o crescimento e consolidação de novos setores, com um acesso crescente à Saúde, à Educação e ao apoio aos idosos, à infância, à juventude e aos cidadãos com necessidades especiais.

Mas também é um facto que, enquanto Região, nos cabe a ambição e a inquietação de dar respostas a desafios conjunturais como aqueles que vivem os nossos agricultores ou os nossos pescadores.

De aumentar ainda mais a exigência para connosco próprios nas respostas e nas soluções que, pela nossa Autonomia, devemos dar à necessidade de criar mais e melhor emprego, de impulsionar uma maior criação de riqueza e de trilhar um percurso de crescimento sustentável.

Exigência nas respostas e nas soluções que devemos dar para aproveitar novas áreas de desenvolvimento económico, seja no aproveitamento dos recursos que encerra o nosso Mar, seja no aproveitamento das possibilidades que as novas tecnologias oferecem, seja, ainda, num novo aproveitamento de áreas como por exemplo a nossa posição geoestratégica.

Exigência, ainda, nas respostas e nas soluções que devemos garantir, não apenas na construção de escolas, de hospitais ou de centros de saúde, mas também na capacitação dos mesmos e, sobretudo, na sua efetiva capacidade de serem instrumentos de coesão regional, instrumentos do serviço atempado, eficiente e disponível para o nosso Povo em cada uma das nossas ilhas.

Exigência nas respostas e nas soluções que devemos dar, mais do que noutros aspetos, na capacidade da nossa Educação ser, cada vez mais, um efetivo fator indutor da melhoria do futuro de cada Açoriano, qualificando a sua formação, habilitando-o com mais ferramentas para o seu sucesso como pessoa, como cidadão e como profissional.

É um facto que, 40 anos passados, a promoção dos interesses regionais não se pode limitar ao contato e à presença nos fora nacionais ou europeus, ou ao contacto com as nossas comunidades emigradas.

Também aqui, temos de, com exigência nas soluções e nas respostas a dar, fazer com que a nossa Região marque presença onde e quando se afigure necessário, seja no contacto político e institucional com outras entidades, como estados federados ou províncias, seja, como aconteceu recentemente com o processo de redimensionamento da presença norte-americana na Base das Lajes, assumindo também a defesa dos nossos interesses, a defesa da nossa Região junto de outras entidades estrangeiras.

Também no que respeita ao reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os Portugueses, a nossa Autonomia deve encontrar novos meios de afirmação e de intervenção, assumindo, com orgulho e de forma destemida, a nossa singularidade, mas tendo também presente, como ainda recentemente tivemos profícuo e feliz exemplo concreto, que esses são valores que devem ser comummente cultivados e valorizados.

Em todas estas matérias, reafirmo a convicção dos méritos e da capacidade da nossa Autonomia de ser o instrumento por excelência para a afirmação do Povo Açoriano, a tanto ajude o engenho, a arte e a capacidade daqueles que, a cada momento, assumem as tarefas de o representar aos mais variados níveis do poder, seja ele o executivo ou o legislativo.

E é também por isso que não podemos embarcar, seja por comodidade de posicionamento ou por interesses conjunturais, nas dúvidas sobre o sucesso, a importância ou os resultados da nossa Autonomia.

40 anos de um percurso assinalável provam que assim não é, provam que assim não deve ser.

40 anos de um percurso com conquistas históricas nas mais diversas componentes da nossa vivência coletiva provam que fazê-lo é tomar a nuvem por Juno, confundindo a capacidade, ou a falta dela, dessa formidável conquista dos Açorianos com as eventuais falhas no cumprimento da obrigação de propor, de apresentar soluções e de concretizar que a todos obriga e que sobre todos impende.

Tomando como referência a nossa história, ninguém hoje poderá questionar que estes 40 anos de Autonomia correspondem ao ciclo de maior desenvolvimento, de maior progresso, de maior coesão regional e territorial, de reforço, inclusive, da nossa identidade coletiva, assim como, e não menos importante, de efetiva promoção de igualdade de oportunidades.

Mas o verdadeiro desafio que hoje também se coloca, mais do que olharmos para trás e sermos juízes da Autonomia que já passou, é, com esperança, o de sermos construtores da Autonomia do futuro.

Construtores da Autonomia do futuro que permita às Açorianas e aos Açorianos, a geração mais qualificada de sempre, continuar ambicionar mais longe que a ilha em frente, mas que acreditem que é possível, nos Açores e pelos Açores, fazer mais, fazer melhor, fazer diferente num conjunto variado de áreas como a nossa agricultura, as nossas pescas, o nosso turismo, o que só nos pode valorizar.

Construtores da Autonomia do futuro que permite fazer mais e fazer melhor em áreas como a projeção internacional do nosso Mar, a biotecnologia azul, ou, no nosso Ar, a investigação espacial e a meteorologia ou, até, na nossa Terra, o vulcanismo.

Porque, como Povo, temos esse direito de sonhar, de ambicionar, de querer.

Porque, como Região, temos o dever de criar as condições para que todos os Açorianos possam sonhar e lutar pelo seu Futuro.

Este é também o ano em que se completa a presente Legislatura.

Uma Legislatura que foi particularmente difícil e exigente, desde logo, para as famílias, para os trabalhadores e para as empresas açorianas.

A verdade é que fomos assolados, não só por um vendaval financeiro e económico de dimensão global, como por opções políticas nacionais de pouca utilidade, de não comprovado mérito, mas de efeitos devastadores no rendimento das famílias e na proteção e apoio aos setores mais fragilizados da nossa sociedade.

Para além disso, estes foram, e continuam a ser, tempos marcados por uma forte instabilidade e incerteza quanto ao rumo, se não mesmo quanto ao futuro, da União Europeia, que se afastou do princípio fundador de uma Europa forte, geradora de oportunidades, solidária e inclusiva.

Também aqui, também nesse tempo que vivemos, e mais uma vez, voltamos à nossa Autonomia e aos méritos que a mesma demonstrou como instrumento para defender o Povo Açoriano, para o servir e para o ajudar.

Importará, porventura, a bem do rigor e da verdade, assumir que a nossa Autonomia não funcionou, nem poderia funcionar, como uma redoma que nos isolasse do mundo que nos rodeia e que, globalizado como é, cada vez mais, nos afeta e influencia.

Pensar que assim seria, e pior, defender que assim teria de ser, diz certamente mais das motivações de quem o diz, do que do mérito e da utilidade do que foi feito com o nosso poder de autogoverno.

É evidente que também nas nossas ilhas se sentiram e, em alguns casos, ainda se sentem, os efeitos nefastos dessa turbulência e dessas perturbações.

Porém, o que considero também importante salientar hoje, é a capacidade que a nossa Autonomia demonstrou de ser o leme que nos fez ultrapassar, no rumo certo, essa tormenta de uma forma melhor do que aquela que outras partes do nosso País atravessaram.

Apoiando, acudindo, mobilizando recursos e vontades, criando e inovando em respostas e soluções que, até ao limite das nossas possibilidades e das nossas competências, ajudaram a fazer a diferença quer para as famílias, quer para os trabalhadores, quer, ainda, para as empresas dos Açores.

Sei bem que não foi possível ainda resolver todos os desafios e todas as dificuldades.

Sei bem que ainda temos, na Região, muito trabalho pela frente.

Mas sei também a quão preciosa foi e é para os Açores a coesão e a paz social, a forma como, unidos, temos sido capazes de enfrentar os desafios com que somos confrontados, privilegiando o essencial, mesmo que divergindo no acessório.

Afirmo-o com a consciência clara de que nem todos pensamos do mesmo modo.

Em Democracia, é saudável que assim seja.

Mas é responsabilidade de todos, sobretudo neste ano, um esforço redobrado para promovermos um debate vivo, esclarecedor, mas também respeitador.

Um debate que resista à tentação, por vezes demasiado presente, do ataque soez, da crítica pessoal, do desmerecimento do outro.

As Açorianas e os Açorianos exigem e merecem mais.

É responsabilidade de todos nós, por isso, tentarmos corresponder àquilo que de nós espera o Povo Açoriano.

Que a celebração deste Dia da Região Autónoma dos Açores seja, efetivamente, um momento de revigoramento, de inspiração e de renovada atualidade na afirmação dos valores e dos princípios de que devemos cuidar todos os dias.

Um momento de exaltação dos valores e dos princípios que nos identificam como Povo e que nos identificam como Região.

Um momento que impulsione a redescoberta permanente dos princípios e dos valores que, há 40 anos, ajudaram a fundar a nossa consciência coletiva como Região, a nossa consciência coletiva como Região Autónoma:

A solidariedade entre todas as nossas ilhas;

A solidariedade entre os mais ricos e os mais desfavorecidos;

A solidariedade entre os mais jovens e os mais idosos.

Para que a palavra Açores se diga sempre conjugada com solidariedade, como a palavra solidariedade sempre se conjuga com o Espírito Santo.

Para que, através desse valor, e da união que através dele queremos construir na nossa Região,  digamos cada vez mais como Daniel de Sá: “Não devemos continuar a pensar que nascemos num arquipélago. Somos é de uma ilha com nove nomes”.


Vivam os Açores!"

Anexos:
2016.05.16-PGR-Dia da Região 2016.mp3

GaCS

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